
Sinopse
Oliver Mitchell ficou um pouco perdido quando o McFLY* decidiu dar um tempo. Apaixonado pela banda e por seus tambores e pratos, ele demorou até se conformar com o fim e se fixar como um influenciador fitness( com seus exercícios e corridas, acompanhando as carreiras paralelas de seus antigos amigos com uma distância respeitosa).
Para ele, foi uma surpresa agradável quando a gravadora entrou em contato, sugerindo que os quatro se reunissem novamente para resolver os problemas e trazer a banda de volta, mesmo que não fosse muito a favor de terapia em grupo.
O que lhe deixou ansioso foi o contrato para produção de um documentário para acompanhar a vida dele durante o comeback, afinal, ele acreditava que sua pacata vida fitness não era assim tão interessante quanto a de seus amigos.
Mas o que lhe tirou o sono foi dar de cara com uma jovem brasileira que conheceu uns dez anos atrás e com quem ele deu uns vacilos, e descobrir que a jornalista é a responsável pelo tal documentário.
Agora ele está começando a pensar que aceitar fazer esse documentário talvez não tenha sido uma de suas melhores ideias…
Gênero: Comédia romântica
Classificação: 16 anos.
*Observação: A história é escrita com o McFLY. Oliver é Harry Judd, baterista da banda e você pode ler com qualquer um dos nomes que vai funcionar. O nome da banda será alterado em algum momento do futuro para publicação em ebook.

Oliver Alexander Mitchell (Oli)
Astrologia:
☼ Touro
☾ Câncer
↑ Gêmeos
MBTI: ESTP (empreendedor)
Ocupação: Baterista / coach de vida saudável
Aniversário: 27/04
Idade: 34 anos

Annie Pex (Nauany de Oliveira Peixoto)
Astrologia:
☼ Gêmeos
☾ Sagitário
↑ Escorpião
MBTI: ENTJ (comandante)
Ocupação: Jornalista
Aniversário: 17/06
Idade: 29/30 anos
Andamento da escrita:
Planejamento de postagem:
De 1 a 4 capítulos por mês
Últimas atualizações:
Capítulo 11: 03/12
Capítulo 10: 31/08
Previsão de término:
Entre Mai/24 e Jun/24
Atenção:
Esse texto é o meu rascunho, então terá erros e confusões. A caixinha de comentários está aberta para sugestões e críticas (apenas sejam gentis) para que vocês possam me auxiliar nesse processo.
Até que ele esteja pronto para publicação, muita coisa vai acontecer e muita coisa pode mudar no texto, no nome ou na capa.
I could ever want
Desci a rua correndo a toda velocidade, uma última acelerada na minha corrida diária. Passei bem em frente a casa de Danny e senti meu coração disparar ao vê-lo descer de seu carro.
Já fazia um tempo que não o via, ele sempre tentava evitar, mas por um segundo, um breve segundo, seu olhar cruzou com o meu. Levantei a mão para acenar para ele e comecei a desacelerar para tentar conversar, mas vi quando ele bufou e virou as costas pra mim, então acelerei ainda mais, com raiva.
Danny tinha cortado completamente o contato com todos nós. Eu ainda falava com Dougie com frequência e havia um certo estranhamento entre Tom e eu, mas éramos educados o suficiente para nos cumprimentar, apesar das mágoas. Não o Danny. Ele parecia uma criança birrenta.
Desliguei o contador de quilometros assim que pisei na soleira de casa. 9,5km era pouco menos do que estava acostumado a fazer e pensei em dar mais uma volta no quarteirão, mas só de pensar em esbarrar com Danny de novo, minha endorfina já começava a baixar, então apenas entrei em casa, pegando meu celular para desligar a música.
Que estranho.
As duas ligações eram de Rachel, minha (nossa) empresária desde que Fletch se aposentou. Ela cuidava de nós quatro, os ex-McFLYs em nossas carreiras e eu tinha um pouco de pena dela toda vez que começávamos a falar sobre as coisas que eu queria fazer porque sentia que ela era um peixe fora d’água, mas era tão esforçada em fazer seu trabalho direito que no final era como se soubesse tanto quanto eu.
Larguei a chave pendurada e desbloqueei o aparelho para retornar para Rachel, mas as mensagens me chamaram atenção.
Eram de Dougie.
Li tudo aquilo e a cada frase meu queixo caía um pouco mais. Tinha deixado aquela parte do meu coração congelar, sem esperanças de jamais voltarmos a ser uma banda. As coisas que aconteceram entre nós foram… Pesadas. Cruéis até. Cada um pegou seus caquinhos e foi pra longe se reerguer como podiam.
Era mais fácil para os outros, eu achava. Sendo baterista, não tinha como fazer música sem uma banda. E eu não conseguia estar em uma banda que não fosse o McFLY. Sem o McFLY, sem música. Pelos últimos anos, senti aquela parte de mim gangrenada, morta…
Renascendo de novo.
Uma parca esperança.
Ainda estava embasbacado lendo as mensagens de Dougie quando o telefone tocou mais uma vez.
Atendi no primeiro toque.
“Como que está meu menino favorito?” Rachel me cumprimentou.
— Oi, Rach — sorri. — Bem, mas fedorento. Acabei de chegar em casa depois de correr quase dez quilômetros.
“Uau” ela riu como se fosse uma novidade. “Um dia vou deixar você me convencer a tentar ter essa disposição”.
— Vou adorar! — falei, andando pela casa, nervoso.
“Bom, querido, estou te ligando porque tem algumas coisas acontecendo e há um interesse da gravadora em reativar o McFLY. A gente sabe que isso pode não dar certo, mas o projeto está acançando bem e só depende da parte humana – vocês – pra acontecer. E eu tô sentindo uma abertura sua já tem um tempo. Você e Dougie ainda se falam com frequência?”.
— Eu… É — concordei. — A gente tava conversando bastante antes dele… Sabe? Falamos um pouco depois, mas ele reduziu o uso de celular e eu não fui visitar ele porque não queria… Não queria atrapalhar.
“Que bom que vocês ainda se falam. Vocês dois se sentem muito sozinhos, é bom terem um ao outro…” Rachel suspirou. “Algumas coisas vão acontecer em breve… Mas antes disso, preciso te pedir um favor”.
Cheguei no banheiro e coloquei Rachel no viva-voz para poder tirar minha blusa.
— Claro. Pode falar.
“A gravadora está interessada em produzir um documentário em parceria com a TTU sobre esse retorno e queríamos que uma equipe acompanhasse pelo menos um dos integrantes e a gente queria que fosse você. Você topa, não topa?”
Um documentário? Comigo?
— Mas por que eu? — não contive a pergunta.
Os outros tinham vidas muito mais interessantes, eu achava. Eu só era um cara que descontava as frustrações em exercícios.
“Por que você acha que a gente quer que seja você?” Rachel perguntou.
— Porque não dá pra mostrar o Dougie na reabilitação, o Tom deve ainda estar na fossa desde que a noiva deixou ele no altar e o Danny… O Danny é o Danny.
Rachel riu.
“Você costumava ser mais confiante em você mesmo. Você sempre foi o nosso melhor: o mais educado, mais gentil, mais engraçado. Você sempre adorou o McFLY e foi o único que sempre teve esperança que voltassem a tocar juntos, mesmo quando as coisas ficaram difíceis. Você é o melhor que nós temos, Haz. Esse lugar só poderia ser seu”.
Eu gostava quando as pessoas amaciavam meu ego, Rachel fazia isso espetacularmente bem, mas naquela posição tão sensível e que mexia tanto comigo, ser representante do McFLY não era algo que me deixava confortável.
— Se você diz… — concordei porque entendia que era a melhor opção. Naquelas condições, o único que poderia falar algo era Tom, mas ele andava com a cabeça enfiada na própria merda. — Isso é mesmo necessário?
“É” Rachel respondeu imediatamente. “Ainda temos algumas coisas para resolver, mas na próxima vez que te chamarmos vamos conversar com vocês quatro e sobre o contrato do documentário, está bem?”
— Rach… Isso tá me soando como uma péssima ideia — comecei a dar pra trás pelo nervoso de ficar junto com os outros três em uma mesma sala.
Um por um eu até conseguia suportar, mas toda aquela dinâmica…
Saber como tudo foi e ver tudo que se destruiu…
Não sabia se conseguia suportar.
“Bobeira! Você vai ver só! Até breve, !”
Rachel desligou antes que eu pudesse falar mais alguma coisa contra. Cocei a cabeça, larguei o celular no sofá e fui tomar meu banho.
And if they hate on us
Dez anos antes.
Eu não era um cara que negava convites para festas, mesmo quando não entendia muito bem qual era a comemoração.
Um prêmio? Um aniversário?
Tudo o que me lembrava era que tinha a ver com uma amiga de Tom e que era algo importante o suficiente pra ele nos convidar também.
Cheguei por último no pub e me levaram direto para uma área reservada, antes que chamasse a atenção. Nem sempre era legal ser famoso, mas eu gostava de estar em uma banda com meus amigos, mesmo eles sendo completos manés.
Eu gostava de fingir que nós não estávamos tendo problemas. Que a vida era uma grande festa como no primeiro ano de fama.
Sacudi a cabeça para afastar os pensamentos e procurei por eles no segundo andar, bem mais vazio. Danny estava encurvado sobre o bar, um copo meio vazio na mão e o olhar enfiado no decote da garçonete, que não sabia onde se esconder. Entortei a boca porque não estava nos meus planos atrapalhar a paquera do molenga, então encontrei Tom em uma das mesas, cantando aos berros com a dona da festa. Eu lembrava de ter sido apresentado a ela em algum momento, mas não conseguia conectar seu rosto ao nome.
Comecei a caminhar em direção aos dois quando percebi a movimentação esquisita do nosso caçula, vindo do banheiro, já trocando os pés, acompanhado de uma garota bonita com o celular na cara dele.
Fãs.
Eu gostava de fãs, mas não nas festas.
Estava quase virando as costas para ir embora quando Tom notou minha presença e começou a acenar freneticamente pra mim. Abri o melhor dos meus sorrisos e caminhei até a mesa, chegando junto com Dougie, que escorregou até o canto, ao lado de Tom e a amiga, me deixando sozinho com o outro lado da mesa.
— E aí, cara! — ele me cumprimentou animado. — A Gabs você já conhece, né?
— Oi! — Dei um abraço breve em Gabriella quando ela se levantou para me cumprimentar. — Parabéns pelo…
Não completei a frase com medo de errar o que era.
— Obrigada! — ela estava animada e pareceu não se importar. — E essa é a , minha amiga. , esse é Mitchell.
A fã.
Virei-me para ela com medo do que viria por aí e ela me encarava com grandes olhos escuros que pareceram me devorar por dentro.
— Quantos anos você tem? — indagou de primeira. A fala da garota era carregada de erres em sonoridade estranha.
— Já? — Tom gargalhou alto.
— Pex… — Gabi tentou ralhar com a amiga, mas acabou gargalhando também.
A idade não era informação básica para fãs? Achei a pergunta um pouco estranha.
— 24… — respondi.
— Então serve! — ela agarrou meu braço, me puxando em direção ao bar.
Dias atuais
— Aqui, querido, pode entrar — Rachel me buscou no corredor e me guiou para dentro de sua sala para uma curta reunião antes da forca.
Eu não estava 100% feliz.
Sentia falta do McFLY sim. Sentia falta de pertencer e de ter momentos incríveis com meus três melhores amigos. Meus irmãos.
Nós crescemos juntos.
Era difícil esquecer toda aquela história, mesmo com a briga que foi. Mesmo com todos os disses e todos os me disses. As farpas, as merdas, os anos de afastamento…
Todas as vezes que Danny rejeitou meus olás, mesmo que fôssemos quase vizinhos. Todas as vezes que Tom fingiu que não me via em algum evento pra evitar o momento constrangedor em que abanávamos a cabeça um para o outro para nos cumprimentar. Todas as vezes que Dougie me empurrou pra longe quando eu tentava ajudar ele com as merdas em que estava enfiado…
Que bosta de família disfuncional.
Colocar todos nós juntos em uma sala era a pior ideia que Rachel já teve.
O que fazia o documentário ser um pouco melhor.
— Certo… — me acomodei na poltrona de frente para a mesa dela e ela sentou à minha frente, do outro lado. — Então isso é mesmo uma coisa?
Rachel sorriu daquele jeito que fazia eu me sentir um menino prestes a assinar meu primeiro contrato, sem saber nada de nada e nem todas as arapucas que eu poderia cair se não tivesse alguém esperta como ela ao meu lado.
— Seus colegas estão a caminho daqui agora mesmo — disse, olhando o relógio. — Pela hora, é possível que já estejam até na sala de reuniões. Exceto o Daniel, é claro.
Claro.
— Sei.
— Nervoso? — ela sorriu. Engoli a seco. — Tudo bem ficar nervoso. Vocês tem muita bagagem e muita coisa em jogo, mas vou falar pra você uma coisa só porque sei que você vai me ouvir: a gente não pode fazer nada sobre as coisas que já aconteceram, só podemos seguir adiante. Mas também é a gente que decide como queremos seguir adiante, sabe? E é de cortar o coração ver as escolhas que vocês fizeram só pra evitar sentar e conversar como adultos civilizados.
Franzi a glabela, apertando as sobrancelhas juntas. Não tinha argumentos para contrariar Rachel naquele ponto.
Eu sabia. Eu tinha tentado, não o suficiente, recuperar um a um. Dougie era o único que me dava abertura, mesmo que fosse limitada pelo jeito dele.
O vazio que eu sentia era muito estranho porque antes era um espaço ocupado por risadas, viagens e acordes.
— É — foi tudo o que disse.
Rachel riu como se eu estivesse lhe contando uma piada. Abriu uma de suas gavetas e me estendeu um contrato cheio de notas adesivas com anotações em sua letra ovalada. Curvei-me para frente para ler uma das partes destacadas: de dois a seis meses. Apertei os olhos e li a frase: o acompanhamento do(s) músico(s) pela equipe da TTU se dará no período de duração desse contrato, podendo se encerrar ou se extender de comum acordo com as partes contratantes.
Porra.
Dois meses. Seis meses. Era tempo pra caralho.
— As coisas mais importantes do contrato estão explicadas nas anotações, mas vou te dar um resumo básico e, se você se sentir confortável, poderá assinar agora, o que facilitaria muito a minha vida — ela riu e eu soube que estava de bom humor, apesar da pressa. — O documentário abordará todo o período de retorno de vocês à banda ou a falha dessa tentativa. A equipe responsável gostaria de ter uma visão de dentro, então estarão disponíveis para te acompanhar durante sua rotina diária, seus hábitos e tem permissão de acompanhar às reuniões como a de hoje. Não há permissão para acompanhar tratamentos médicos. Basicamente é isso.
Encarei o contrato, virando as folhas e lendo as anotações que traduziam o que Rachel tinha resumido com um aperto no meu peito.
— E se der errado? — indaguei, com o coração pequenininho.
Ela sorriu de lado.
— Concordamos que, se der errado, farão uma matéria para mídia impressa e online e que te convidarão para alguns programas do TTU para falar da experiência frustrada e do lançamento do seu novo programa de treinamento — ela resumiu. — A publicidade vai ser boa.
Concordei com a cabeça.
Não me sentia confortável ou confiante, mas já fazia algum tempo que esses sentimentos não me abraçavam. Talvez desde que estive em harmonia instrumental pela última vez, o que faziam alguns anos.
Foi a esperança que me fez apertar a caneta em um clique e fazer garranchos com meu nome em cada uma das folhas, tornando aquele contrato válido.
Agora era cada um por si ou todos por todos.
Rachel me guiou pelo prédio da agência e me deixou em frente à uma porta, apontando pra ela enquanto atendia o telefone.
Entrei na sala e parei por um momento. Tom e Dougie já estavam na sala e levantaram a cabeça para me olhar. Meu coração deu uma breve acelerada; nós três não estivemos juntos desde o dia da briga.
— O…Oi — gaguejei.
Dougie arriscou um sorrisinho e um aceno de cabeça. Tom mal acenou e virou o rosto, parecia envergonhado, não chateado.
Quando sentei, Dougie ainda sorria, mesmo que de leve. Parecia melhor desde que eu o tinha visto desde a última vez – era a primeira vez que saía da reabilitação e talvez não estivesse ainda de alta. Queria aproveitar para conversar com ele, mas com Tom ali… Me senti um pouco acuado e só me sentei em um puff no cantinho e aguardei.
Passaram longos minutos até que a porta se abriu novamente. Daniel Jones foi praticamente empurrado pra dentro por seus próprios pés que tropeçaram na soleira da porta. Ele disfarçou bem o desconforto fingindo que não tinha acontecido e eu só conseguia pensar que, em outros tempos, sua risada escandalosa já teria feito nós três gargalharmos de sua estupidez.
Mas a pior parte foi o silêncio mortal que se seguiu após a entrada do último integrante e a hora que ficamos ali, onde fui obrigado a colocar meu celular para carregar porque gastei quase tudo com joguinhos.
Nós compartilhamos muito barulho uns com os outros, mas com o tempo de convivência, também aprendemos a apreciar o silêncio em conjunto. Aquele não era dos que eu gostava. Era incômodo e desesperador.
Quando Rachel finalmente entrou… Respirei aliviado, cumprimentando-a e reparando no eco que a voz dos outros três fez ao seguirem a minha.
E aí deu tudo dar errado de novo.
— Vocês já devem ter uma ideia do porquê reuni vocês aqui — Rachel começou parecendo animada, mesmo que nós quatro estivessemos com cara de enterro.
— Não é difícil adivinhar — Danny resmungou.
Não lembrava de Danny tão amargo assim. Sabia que ele andava dando trabalho em festas e todas as atrocidades que saíam sobre ele na mídia, mas meu amigo costumava ser uma pessoa alegre e pra cima.
Corroía o coração ver o que tínhamos feito conosco.
Será que eles pensavam o mesmo de mim?
Quando voltei a mim, Tom e Danny tinham brigado e eu nem sabia o motivo, mas Rachel estava fazendo um discurso de bronca e tentei focar.
— …Vocês sentem falta um dos outros e eu vejo isso escrito na cara de vocês e nas merdas que fazem pra chamar atenção. E, claro, se vocês achassem que não vale a pena tentar voltar com o McFLY, teriam levantado para ir embora há muitos minutos atrás e não me neguem isso, eu sei o tamanho da impaciência de cara um de vocês, principalmente a sua, Sr. Fletcher. Mas ficaram aqui, calados. E eu quero que conversem, que resolvam tudo e, pelo amor de Deus, cresçam e perdoem uns aos outros por uma coisa que já está no passado. Tem uma galera esperando por isso, sabiam? Pedindo, implorando. A gente recebe emails, cartas, gente que bate na gravadora… Gente do mundo todo que sente falta de como a música de vocês mexe com a vida delas. Então, por favor, pensem nisso antes de sentarem juntos outra vez. Espero que até lá percebam que podem sim voltar a trabalhar juntos e alcançar o topo de novo.
E fez-se silêncio de novo. Esse era um pouco menos incômodo que o anterior, ao menos para mim. Queria ter os pés no chão e acreditar que não era possível que o McFLY voltasse aos palcos, que jamais recuperaria meus amigos de novo, mas as palavras de Rachel eram como uma injeção de adrenalina em minhas veias e eu não estava conseguindo evitar.
— É como terapia de casal? — Tom perguntou e eu me senti um pouco mal por ele. Talvez tivesse alguma experiência com aquilo antes de ter sido abandonado pela noiva.
— É isso, esse é o nível que vocês chegaram — Rachel parou no meio da sala e correu os olhos por todos nós. — Eu espero que vocês se lembrem que sou, antes de qualquer outra coisa, amiga de vocês. E tudo o que eu quero é que vocês fiquem bem e deixem de lado essas brigas imaturas de vocês.
Houve um momento de suspensão em que todos se calaram e alguns olhares se encontraram, encurralados em uma ideia não muito confortável.
— Eu acho que é uma boa opção — me dignei a dizer.
— Perfeito. E eu não estou dizendo que isso vai resolver todos os problemas, está bem? — Rachel continuou. — Talvez vocês sentem pra conversar e até se entendam, mas não o suficiente pra voltar com a banda. E se estiverem bem pra deixar a banda como uma memória boa do passado, vou estar do lado de vocês também. Mas só se for algo decidido com a cabeça e não pela raiva.
Comecei a bater os dedos em minha perna, nervoso. Sabia que não era aquilo que Rachel queria. Nem eu mesmo queria. Só de ouvir, pareceu errado.
— Quando? — Dougie perguntou e senti a esperança em sua voz também.
— Na próxima quarta — Rachel declarou.
— Já? — Danny perguntou, esticando o corpo, desconfortável. Aquele ali sim tinha material para terapia. O molenga devia estar se cagando por dentro.
— Infelizmente — Rachel virou-se para ele. — Tentei um horário pra amanhã, mas vocês são quatro problemáticos e não consegui encaixe.
Ninguém disse nada por um minuto inteiro, era como se estivéssemos suspensos, cada um pensando nos seus próprios problemas.
— Posso ir? — Tom pediu primeiro, encerrando o desconfortável momento.
— Claro, querido.
Tom se levantou para sair e percebi que Dougie também estava se movimentando e o segui.
— Ei, cara! — chamei do lado de fora, quando o vi acompanhando de um dos assistentes de Rachel.
Dougie virou para me olhar e sorriu.
— E aí — respondeu.
Eu não tinha nada pra dizer, então só cocei a cabeça e os olhos do meu amigo se encolheram quando seu sorriso alargou.
— Bom te ver — eu disse, apenas.
— Também é bom te ver — ele concordou. — Mas eu preciso voltar. Me visita qualquer dia? Lá tem uma vitamina de morango que é uma coisa insana.
— Vou adorar provar — concordei.
Dougie foi embora acompanhando do assistente e tudo o que eu consegui pensar era em como ele conseguia levar a reabilitação com tanto bom humor.
Me peguei com os olhos cheios de emoção, orgulhoso do homem que ele tinha se tornado.
Dougie e eu acharíamos nosso caminho de volta, essa certeza eu tinha.
Agora eu só precisava trabalhar os outros dois.
We weren’t old enough
Dez anos antes.
Soube que não era fã pela maneira que ignorou Danny, provavelmente esquecendo que ele deveria estar na mesa conosco.
— Me compra uma cerveja aí, vai — pediu.
— Você não sabe pedir sozinha, é? — Achei engraçado. Ela tinha um copo vazio na mão, provavelmente já tinha cansado outra pessoa de lhe conseguir bebidas.
— Eu estou economizando na minha comanda — riu. — E ouvi dizer que vocês são ricos, então estou aceitando caridade com essa pobre menina latina que só quer beber o suficiente pra subir em uma bancada e fazer um quadradinho de oito.
— Latina? — perguntei, confuso.
Pedi a cerveja enquanto a admirava com a nova informação e adivinhei. Brasileira. Nós já tínhamos ido ao Brasil algumas vezes com a banda e ela tinha o jeitinho mesmo, meio doidinha, um pouco afobada. O sotaque carregado, os cabelos escuros, a pele dourada. Alguns traços comuns aos brasileiros, outros nem tanto. Tentou me explicar o que era o tal oito enquanto esperávamos a bebida e definitivamente não era fã.
Comecei a ficar interessado.
— Sabia que eu sou famoso no Brasil? — perguntei.
Ela soltou uma gargalhada alta e virou a cerveja na boca em uma grande golada.
— Famoso quem? — debochou. — Está tentando me impressionar?
— E se eu estiver?
A boca pintada de vermelho se curvou para cima quando o olhar dela serpenteou, me olhando por inteiro.
— Você vai ter que fazer melhor que isso.
Qual era a dela? Eu não sabia. Mas se havia algo que tinha aprendido com os anos de fama é que não era difícil levar uma garota para uma cama de hotel.
— Bom, eu já te paguei uma bebida — sorri largamente.
Ela franziu o lábio superior, deixando suas bochechas ficarem mais salientes.
— Se isso é tudo o que você sabe fazer, vou ter que procurar outra companhia.
E antes que eu pudesse retrucar, virou as costas e me deixou sozinho no bar.
Dias atuais
Estacionei ao lado da grande casa vitoriana, um pouco impressionado com o seu tamanho. Não tinha mais nenhum carro parado ali na área dos visitantes; eu tinha sido autorizado a aparecer em um dia e horário não autorizado para visitas, buscando um pouco de privacidade, já que eu e Dougie éramos pessoas públicas.
A decisão de colocar Dougie ali foi… Difícil. Mas as coisas estavam desgringolando já há algum tempo. Desde antes da briga, Dougie abusava de substâncias pra se sentir melhor consigo mesmo, depois, então…
Eu quase cortei contato com ele, mas o acompanhei de longe. Preocupado. Sempre achando estranho, sempre com medo de que o limite um dia fosse ultrapassado. Que um dia eu acordasse pra descobrir algo que me partiria em mil pedaços.
Foi bom quando Tom interveio. Ele me procurou pela primeira vez em tantos anos com um plano de ação e um endereço.
E ali estávamos nós.
Respirei profundamente e desci do carro. Uma jovem mulher se aproximou, seus saltos ecoando no chão de pedra do caminho.
— Sr. Mitchell, é muito bom recebê-lo em nossa instituição — ela estendeu a mão e eu apertei.
— Ahn… Obrigado? — Achei a declaração estranha. Não era legal receber ninguém numa reabilitação porque isso geralmente significava que alguma coisa deu errado em algum momento. — Já estava querendo vir há um tempo, mas achei melhor dar um tempo pra ele se acostumar com… Sabe?
— A vida nova dele — ela sorriu, concordando e me dando um termo que eu não conhecia, mas imediatamente adorei. — Bom… Eu sou Amanda Hazel, diretora interina do melhor centro de reabilitação do Reino Unido, onde você e seu amigo muito sabiamente escolheram internar o Sr. Poynter. Vem, vamos entrar. Ele está terminando uma atividade em grupo e vai se juntar a nós no meu escritório. Enquanto isso posso te passar um pouco sobre o progresso dele.
Não quis ser mal educado e dizer que não estava muito interessado nos processos, na mobília ou nos ambientes da reabilitação, pois planejava nunca mais ter que voltar ali (embora existisse uma nota mental sobre talvez arrastar Danny a força para uma reabilitação quando minha paciência para ele se acabasse), mas estava muito interessado no progresso de Dougie, então segui simpático na velocidade que me inflingiu até a chegada em seu escritório.
— Quando o Sr. Poynter chegou aqui… — ela começou, assim que a porta do escritório se fechou atrás de mim. — Ele até entendia a necessidade da reabilitação, mas estava com raiva. Furioso. Com o mundo todo, com ele mesmo… Por isso que ele fez o que fez antes de chegar aqui. E ele foi um paciente difícil durante a primeira semana, quase duas semanas, na verdade — ela riu, sem humor. — Tivemos alguns incidentes.
— Dougie é campeão em incidentes irritantes — concordei.
— Um rapaz muito criativo, sim — ela concordou, dessa vez rindo de verdade. — Nós estamos acostumados com incidentes. A fase da desintoxicação é bem difícil, por isso não aceitamos visitas ou acesso livre à telefone e internet. Mas depois que isso passou, ele virou muito colaborativo. Entende a vida nova, que são as escolhas que ele vai fazer a partir de agora que vão importar e que escolher o diferente é difícil, mas que vai levar ele para um caminho melhor do que ele estava.
— Isso é incrível — consegui dizer, embora minha garganta estivesse um pouco embargada. — Eu… Eu espero que ele…
— Não espere — ela me cortou. — Isso é um passo importante pras pessoas de apoio. Não espere. Apenas acredite que ele é capaz e deixe ele saber. Fique feliz por ele, diga isso. Nunca “espero que você continue assim” e sempre “estou feliz pelo seu progresso e acredito que você é capaz”. Reforço positivo. Igual com crianças.
Eu estava acenando com a cabeça para Amanda quando a postura dela mudou. Virei-me para porta à tempo de ver as madeixas loiras de Dougie penduradas quando só sua cabeça estava dentro do escritório, tombada, um sorriso leve e tranquilo no rosto.
Eu nem me lembrava da última vez que o vi assim.
Talvez nunca tivesse.
— Já está me comparando com crianças de novo? — perguntou brincando.
— Depois do episódio dos três sapos, você esperava o quê? — a diretora respondeu, rindo também.
Observando Dougie entrar na sala, descontraído e animado, um sorriso estacionou na minha cara e parecia que foi fazer compras de natal porque não tinha hora para ir embora.
— Tudo bem. Essa eu mereço — soltou uma risadinha. — Oi, cara. Bom que conseguiu vir me ver.
— Muito cedo pra fazer piada de visita intíma? — Perguntei.
O sorriso de Dougie se alargou um pouco mais.
— Hm… — fez careta ao lembrar que a diretora ainda estava na sala. — Não. Acho que é a hora certa.
Pequeno momento de silêncio até Amanda apoiar as duas mãos em sua mesa e se levantar.
— Bom, rapazes, vou deixar vocês conversarem — ela anunciou. — Você pode levar o Sr. Mitchell para a sala de descanso, ela está reservada pra vocês hoje pela tarde.
— Muito obrigado — agradeci, me levantando.
Dougie abriu os braços e colocou uma das mãos em meu ombro para me guiar, e eu franzi a sobrancelha. Aquela era uma pose que fizemos muitas vezes, mas sempre ao contrário. Só me dizia que ele estava muito confortável ali.
— Disponha — Amanda completou, quando Dougie abriu a porta. — Precisando de alguma coisa, só avisar, Sr. Mitchell.
Dougie fechou a porta e soltou o ar.
— Doutora Amanda está doida para te dar o telefone — apontou.
— Pra mim? — Fiquei chocado. Eu sabia quando mulheres flertavam comigo. — Vocês estavam tudo risinhos e piadinhas internas.
— Ciumento — ele me deu língua.
Completamente diferente do Dougie que dividia a sala de reuniões comigo. Era como se ali fosse seu habitat, que tivessem criado, como Amanda mesmo disse, um ambiente seguro para ele florescer.
O McFLY costumava ser o ambiente seguro dele antes.
Pensando bem, era previsível estarmos ali depois do que aconteceu entre nós.
A sala de descanso era de toda de um azul clarinho, quase cinza. Ao entrarmos no ambiente sem supervisão, Dougie imediatamente se jogou em um pufê e esparramou-se, parecendo muito contente consigo mesmo.
Eu não conseguia parar de sorrir.
Sentei-me de frente a ele em um pufe que parecia menos confortável que o dele.
— Que cara é essa? — Dougie perguntou.
— É a minha cara mesmo — resmunguei.
— É não. Sua cara é assim — ele imitou uma de minhas expressões de deboche mais comum, me fazendo rir.
— Eu só tô feliz de te ver bem, Doug.
Seus olhos ficaram ainda menores quando ele sorriu e abaixou o rosto, envergonhado. Era bom não sentir aquela barreira que nos afastou nos últimos anos, as mágoas, a raiva…
— É bom estar bem, também — ele declarou. — Eu fiz muita merda, mas… Tudo o que eu fiz até hoje me trouxe até esse momento, então acho que pode ter válido a pena. Todos os erros também foram bons.
Me recostei no pufe, pensativo.
— A gente era muito novo, né? Você mais ainda — apontei na direção dele, que apenas acenou. — Só largaram a gente ali, encheram a gente de sonhos que acreditamos, sem saber como era tudo tão difícil. Um bando de adolescentes criando adolescentes.
— Vocês me criaram, não é? — ele pontuou, sorrindo de lado.
— Mas a gente não podia ter feito porque nem criado a gente era — declarei. — E aí veio a fama, o sucesso, e a gente não tinha ideia de nada, noção de nada. Um bando de descontrolados com acesso à dinheiro, poder…
— A fórmula certa pra dar errado — Dougie exemplificou. — Eu fiz muita coisa errada.
— Eu também — suspirei.
Dougie se revirou no pufe até conseguir se sentar, olhando diretamente pra mim, a intimidade de anos que dividimos como amigos, companheiros, irmãos… Tudo parecia ali de volta como se nunca tivesse se esvaído.
— Algo que você queria ter feito diferente? — perguntou.
— Muitas coisas — ri, sacudindo a cabeça.
— Mas sempre tem alguma coisa que… Sabe? Tira nosso sono.
Concordei com um aceno.
— Pex — respondi, sem nem pestanejar.
Aquilo foi um fiasco completo. Um caos desnecessário que quase acabou com a vida dela e com a minha.
— Ah, eu lembro vagamente disso. A amiga da namoradinha do Tom, não é?
Acenei.
— Acho que o Tom me culpou um pouco também porque ele e a… Não lembro o nome dela.
— Danny chamava ela de piolhenta — Dougie riu.
Comecei a rir junto.
— É verdade! — concordei. — Depois daquela confusão, eles nunca mais se falaram também.
— E você nunca tentou falar com a… ?
Torci a boca.
Aquela era uma história que eu me envergonhava muito. Todo o contexto dela era… Sensível. Mas, olhando para trás, me sentia pior pela forma com que eu reagi do que pelo que realmente causou.
— Eu nunca contei isso, mas ela me procurou umas semanas depois — confessei. — Chorando, pedindo ajuda. Eu fui… Um imbecil. Alguém da assessoria me disse pra ignorar tudo sobre esse assunto e deixar passar e eu achei que era melhor ignorar ela também — cocei a cabeça. — O que foi uma droga, sabe? A garota era muito divertida. Eu queria ter tido coragem de chamar ela pra sair, mas fiquei com muita vergonha depois… Sabe? E aí depois de um tempo, ficou claro que ela nunca me perdoaria… Por causa das coisas que falavam dela… Por minha causa.
— Barra, cara — Dougie suspirou.
— Desculpa por pesar a conversa.
— Não precisa — ele sorriu. — A gente é amigo. É pra te escutar que eu tô aqui.
Precisei abraçar Dougie.
A palavra amigo era um gatilho e tanto depois dos últimos anos.
Talvez eu tenha derramado uma lágrima. Ou duas.
Dougie e eu tínhamos nos arrastado para uma mesinha que ficava em frente à TV, onde passava uma nova série pela qual ele estava obcecado e tentava me explicar o primeiro capítulo pra me convencer a assistir com ele.
Eu não estava entendendo nada, então ocupava minha boca no canudo da vitamina de morango pra não cair na gargalhada da animação exagerada dele em frente àquele episódio com efeitos visuais péssimos.
Só que eu iria assistir a série assim que chegasse em casa, nem que fosse só para ter uma desculpa para conversar com ele.
Um barulho me deixou alerta.
— Seu celular se jogou — Dougie avisou, dando pausa na série.
Engatinhei até o pufe onde tinha deixado o celular carregando e estiquei a mão para recuperá-lo ao chão, na perte de trás. Ainda estava vibrando.
— Parece que está tudo bem — suspirei aliviado.
— Desliga o vibracall — ele sugeriu, no mesmo momento em que eu aceitei a ligação.
— Oi, Rachel — cumprimentei, desanimado, porque boa coisa não devia ser.
— Oi, Rachel — Dougie gritou.
Silêncio.
— Rachel? — Chamei.
“É o Dougie aí?” ela perguntou em um sussurro de voz.
— É — eu ri. — Estamos tomando vitamina e assistindo série.
— Vem também, Rachel — Dougie convidou.
“Por favor, só me diz que você está visitando ele e que não aconteceu nenhuma fuga” pediu.
— Não temos fugas envolvidas — confirmei.
— É isso que você pensa de mim, Rachel? — Dougie continuou a berrar.
— Você quer conversar direto com ela? — ofereci o celular pra ele, que aceitou.
Dougie apenas encostou a orelha no telefone e afastou no momento seguinte com uma careta divertida.
— Não quero falar com ela não, ela tá gritando — me devolveu.
— Rachel? — chamei.
Silêncio.
“Sim?” respondeu.
— Tudo bem aí? — perguntei.
“Sim, claro” repetiu. “Foi só um…” pigarreou. “Breve momento de satisfação. Estou muito feliz por vocês estarem… Como foi mesmo que você disse?”
— Assistindo série e tomando vitamina.
“Isso. Muito bem” Cada palavra controlada que ela tentava dizer me fazia querer rir ainda mais, principalmente porque Dougie estava tampando a boca com a mão, tentando não explodir em gargalhadas. “Te liguei pra falar sobre o documentário”.
— Ah, sim. O documentário.
— Que documentário? — perguntou o fofoqueiro.
— Shiu, peraí — avisei a ele.
“O documentário. A TTU pediu algumas mudanças contratuais e estamos em negociação para a conciliação. Assim que tudo estiver resolvido, a gente te avisa”.
— Certo… — Achei estranho ela me avisar que algo ainda estava pra ser resolvido. Rachel sempre chegava com os martelos batidos.
“Mas é pra você deixar sua agenda aberta a partir da semana que vem porque eles insistem em acompanhar todo o processo e como vocês vão começar a terapia na quarta feira, querem começar a te acompanhar um dia antes, no mínimo”.
Fiz careta.
Assinei o contrato por causa de Rachel, mas estava arrependido.
Agora era tarde demais.
— Tudo bem, Rachel — concordei. — Me avisa assim que estiver tudo decidido.
Ela concordou, se despediu e me desejou um bom fim de tarde, deixando um beijo para Dougie. E eu voltei a me sentar ao lado dele, que não estava mais interessado em assistir série e sim em me ouvir falar sobre a história do documentário.
And we drank too much
Dez anos antes.
Tá.
Eu conseguia lidar com um fora.
Me juntei a Danny no balcão e ele apenas brindou comigo, dando boas vindas.
A jovem garçonete mantinha um sorriso trêmulo, tentando ser simpática, apesar das constantes investidas do meu amigo bêbado.
Foquei na plaquinha de metal presa em sua blusa.
— Sam — chamei, lendo seu nome. — Posso te pedir um favor?
Ela apertou os lábios e soube que Danny já tinha passado de algum limite em algum momento, mesmo assim, me respondeu educadamente:
— Claro.
Eu sorri largo.
— Não deixa isso aqui ficar vazio — estendi meu copo pra ela, que apenas sorriu, como se aquele fosse um pedido fácil.
Algumas bebidas mais tarde, perdi minha atenção em Dougie, que se curvava pela grade da área VIP, algumas mesas de onde Tom e Gabs estavam. Caminhei até ele.
— De boa? — perguntei.
— Aham — respondeu.
Dougie tinha acabado de fazer 21 e estava aproveitando a vida mais que o normal, bebendo até cair quase todas as noites. A gente só deixava ele em paz pra curtir, mesmo que passasse dos limites com frequência.
Ele se afastou da amurada para conseguir mais uma bebida e eu permaneci ali apenas porque algo me chamou a atenção.
A longa cabeleira de tom escuro balançando no ritmo da música no meio da pista.
A brasileira.
.
A desgraçada tinha minha atenção e eu dificilmente não conseguia descansar antes de vencer o desafio de conquistar ela.
Fiquei acompanhando a dança dela.
Tinha um cara.
Sempre tinha um cara.
Ele estava insistindo, tocando, se aproximando.
Ela ria e se afastava e continuava dançando porque parecia ser a única coisa que ela estava interessada em fazer.
E ele voltava.
Algo rústico estava crescendo em meu peito, do tipo que eu não gostava. Aumentava toda vez que ele a puxava pra perto e ela se afastava.
Todos os vislumbres que tinha de seu rosto eram de desconforto.
Em algum momento, ela simplesmente desistiu de se divertir por conta do imbecil e começou a se afastar em direção à escada da area VIP, mas não reparou que ele estava seguindo ela de perto. Dali de cima, eu via tudo.
E decidi que não podia ficar só assistindo.
Dias atuais
Recebi um monte de mensagens de Rachel de madrugada e respondi imediatamente ao acordar, para só então me dar conta que não tinha dado bom dia e me corrigi antes de levar bronca.
Ficava um pouco mais tranquilo de saber que era só uma jornalista. Achava que tinha me desacostumado com as câmeras e ter gente me filmando a qualquer momento depois dos últimos anos de paz… Não sabia se conseguiria me acostumar muito rápido.
Mas uma jornalista?
Uma jornalista só dava para levar na lábia, desenvolver alguma espécie de troca e conseguir lidar com aquilo da melhor forma possível.
Levantei porque já estava atrasado. Não acontecia com frequência, mas tinha conseguido coordenar minha agenda para encontrar com dois amigos meus do criquete para uma corrida matinal.
Fingi que não sabia que eles só aceitaram porque estavam curiosos sobre os boatos do McFLY que a cada dia mais apareciam na mídia.
Em menos de meia hora, estava no parque que marcamos só para descobrir que eles estavam ainda mais atrasados que eu. Dei uma volta inteira até que eles chegaram.
Oliver e George tinham carreiras mais… tradicionais. Nos conhecemos pelos gostos em comum e eles me ajudaram muito a criar limites e me reerguer após a briga com os outros caras do McFLY. A parecer mais uma pessoa normal, não um astro inconsequente do rock.
E nenhum dos dois estava com roupa para se exercitar.
— Aí está ele! — Oliver gritou enquanto eu me aproximava. Ele era mais alto que eu, um pouco desengonçado e cada vez que o via, menos fios loiros ocupavam sua cabeça. — O homem do momento.
— Não fala nada, senão ele infla igual um balão — George respondeu. Ele era uns cinco anos mais novo que eu e sete mais novo que Oliver, mas tinha a cabeça no lugar, era inteligente, centrado e na maior parte do tempo estava focado em sua missão na Terra que era perturbar toda e qualquer pessoa que lhe desse meia atenção.
Parei na frente deles, ainda me mexendo.
— Vão me falar que deram pra trás? — perguntei. — Vocês me prometeram.
— Não começa — Oliver resmungou. — Bora logo pra cafeteria porque minhas crianças estão tocando o terror desde às cinco da manhã e quase que a Lisa não me deixa sair de casa.
— Ele disse que não ia correr — George deu de ombros. — Então nem me preparei.
— Vocês são os piores amigos do mundo — acusei, seguindo-os em direção à cafeteria que ficava na saída do parque.
— Piores que os seus colegas de banda? — George riu.
Passei o braço pelo ombro de George, que tampo o nariz.
— A gente não vai falar sobre isso — alertei.
— Como não? — Oliver estava indignado. — A Lisa só me deixou sair porque eu disse que ia contar pra ela tudo que você me falasse. Se eu voltar pra casa sem nada, tô ferrado, cara. Facilita pra mim.
Caí na gargalhada. Entramos na cafeteria e disfarcei o assunto escolhendo o que queria tomar, mas, já na mesa, o assunto voltou, dessa vez com cotoveladas de George.
— Ein? Ein? — insistiu.
Deu uma longa mordida no meu café da manhã enquanto os dois me encaravam, esperando qualquer reação minha.
— Vocês não vão me deixar em paz, vão? — perguntei.
— Não — os dois responderam juntos, antes de rirem.
Fechei os olhos, sem paciência, mas acabei rindo. As coisas estavam uma bagunça na minha vida, mas não era culpa de Oliver e George.
— Existe um movimento — confessei.
— Quão grande é esse movimento? — Oliver perguntou.
— O suficiente pra ITV querer produzir um documentário me acompanhando — reclamei, enquanto os dois soltavam exclamações de surpresa. — Quero dizer… Agora é só uma jornalista me acompanhando.
— Tem uma jornalista te acompanhando? — George olhou pela cafeteria, procurando.
— Ainda não — respondi. — Olha, caras, isso tudo é uma grande confusão, tá? Eu ainda não sei o que tá acontecendo, só que… Não é legal. Não é confortável. Querem colocar nós quatro junto com a porcaria de uma psicóloga e acham que isso vai resolver todas as merdas dos problemas que a gente tinha. Eu acho que não, que é uma grande perda de tempo e que tudo isso vai ser um fiasco.
Eu não achava nada daquilo.
Na verdade, implorava para que o resultado fosse o mais distante possível das minhas palavras.
Só não queria parecer… Idiota na frente dos meus amigos. Vivendo de passado quando já tinha uma estrutura financeira boa o suficiente para apenas continuar o que estava fazendo, sem precisar me arriscar em aventuras emocionais para desbloquear a glória do passado.
— Ah, tá bom — George debochou. — Vou fingir que eu acredito.
— O McFLY era a minha vida — Oliver tentou imitar minha voz. — Nem sei o que vou fazer agora, caras. </span style=”color: #ff4978;”> Você tá doido que eu vou esquecer disso. Você ficou um lixo quando vocês brigaram e agora acha que a gente vai acreditar que você não tá soltando fogos de artifício?
— Nem fodendo — George concordou. — Mas fala. Vocês já se encontraram?
Tentei fazer um resumo dos acontecimentos, desde a ligação de Rachel até meu encontro com Dougie, há três dias.
— E ele tá melhor, então? — Oliver perguntou. — O Dougie. Vocês eram muito grudados, né?
— Sabe? — respondi. — Acho que está.
O sorriso em meu rosto foi grande o suficiente para ganhar alguns tapinhas nas costas.
Rachel só me respondeu no final da noite, quando finalmente cheguei em casa depois de passar a manhã com os meus amigos, almoçar na casa de Oliver, passar no shopping, na academia e no mercado.
Olhei bem para a conversar, sentindo a ansiedade dominar meu corpo e levantei o olhar para a minha casa.
Uma boa primeira impressão?
Antes eu precisava fazer uma faxina.
Mal consegui dormir de nervoso, levantei mais cedo que o normal e voltei a tentar arrumar a casa, prometendo que se a jornalista chegasse cedo, ainda tentaria correr à tarde.
Consegui deixar tudo mais ou menos apresentável antes das oito da manhã, tomei um banho morno e me preparei do melhor jeito que podia, com uma blusa social e calça jeans e gastei um pouco do meu perfume.
Cheguei até a passar gel no cabelo, mesmo me sentindo um completo idiota.
Me sentei na sala e aguardei, tentando prestar atenção na série que passava na TV, mesmo sem conseguir.
Ding-Dong
Não sei quanto tempo demorou, mas a campainha me fez levantar do sofá em um pulo de susto e antecipação; mesmo meu coração treinado pelos exercícios acabou disparando e meu estômago se revirou de ansiedade.
Aquela jornalista precisava gostar de mim. Precisava fazer ela querer relatar as coisas boas pra evitar falar sobre Dougie e seu problema com drogas, Danny e toda sua confusão de bebidas e festas e Tom e seu… Problema em ser corno.
Eu era a cortina de fumaça e não podia falhar.
Abri a porta e meu coração parou de bater.
Os cabelos escuros sem forma que emolduravam seu rosto de pele clara, os olhos de águia selvagem que me invadiam e pareciam ler cada mísera partícula dos meus movimentos como se me conhecesse desde a era dourada.
Ela arqueeou uma sobrancelha e um breve sorriso de canto de lábio moldou sua boca de lábios grossos.
— Olá, — ela disse, e todos os pelos do meu corpo se arrepiaram. — Vamos começar?
E lá estava ela, parada na minha entrada como se fosse uma escultura vitoriana.
A porra da Pex.
Waking up wondering what we’ve done
Dez anos antes.
— Está me seguindo? — reclamou. — Não vai me deixar passar?
Aquela menina era muito marrenta se achava que eu estava seguindo ela.
Mas se a gente parasse para pensar, talvez eu estivesse seguindo sim.
— Não enrola, vem logo — exigi, estendendo a mão pra puxá-la escada acima.
se afastou da minha mão dando um passo para trás… E esbarrando diretamente no imbecil da pista de dança.
— Oi, linda — ele enlaçou a mão no cabeço dela. — Tava doido pra conhecer você melhor.
Parei por um segundo.
Porque eu não ia arrancar ela dele e meter um soco na cara do homem, não. Isso com certeza saíria nas colunas de fofoca.
Também não ia me meter na vida dela se fosse o que ela queria.
Mas, porra, se ela caísse naquela cantada… Isso sim feriria o meu ego.
— Com licença? — ela gritou acima do som da música, dando um empurrão no cara.
Uma sequência de caos se iniciou naquele momento porque o relógio dele enroscou no cabelo dela e, quando ela o empurrou, acabou indo junto e soltando um grito de pavor que me assustou.
A bebida já tinha embaralhado meu senso, então não vi que foi um acidente. Na minha cabeça, ele tinha puxado pelo cabelo.
E isso eu não podia admitir.
Então sabe o que eu disse sobre não socar o cara porque não queria ir para as colunas de fofoca?
Era melhor apagar.
Porque foi exatamente o que eu fiz.
Dias atuais
— Não vai me deixar passar? — ela perguntou.
Apesar da bebedeira descabida da noite que conheci , eu me lembrava muito bem de cada detalhe e sabia que aquela frase era uma repetição.
— Está me seguindo? — repeti também.
Seu sorriso se encolheu em um bico de satisfação e tive certeza que ela pegou a referência.
Quais as chances?
Quais as chances da jornalista responsável pelo registro inicial do documentário ser a jovem Pex, que conheci 10 anos antes?
Naquela noite insana de final trágico.
Quais as chances dela ter me perdoado e que ainda conseguisse tem um bom documentário?
— Não, mas aparentemente vou precisar começar a fazer isso — declarou. — Podemos começar? Eu tenho mais o que fazer do que ficar parada no seu batente.
Nenhuma chance.
Eles mandaram ela para eu me foder?
Mandaram ela pra acabar com qualquer boa impressão que eu pudesse criar?
Mandaram ela pelo caos?
— É… — cheguei para o lado. — Claro.
Que merda eu estava fazendo com a minha vida? Quando Pex marchou para dentro da minha casa com seus saltos ressoando pelo piso, os cabelos se movendo como se estivesse em uma cena de filme em câmera lenta, comecei a tentar calcular o quanto estava fodido.
Ela sentou em meu sofá como se fosse dona do espaço, sem nem ponderar sequer uma vez, cruzou as pernas, ajeitando a barra da saia e virou-se para a sua bolsa.
E eu fiquei em pé, parado, congelado, preso e hipnotizado no exato lugar em que suas coxas se encontravam.
Fodido ao infinito.
Isso.
Esse era o resultado certo do cálculo.
— Então, — ela pegou o celular e levantou o olhar para mim, travando ao me ver parado ainda. — ?
— Desculpe — me apressei.
Havia algo no olhar dela e no tom de voz que fazia com que eu me sentisse uma criança levando bronca, por isso me sentei na poltrona, um pouco mais distante dela, quase na lateral.
Foi uma ideia ruim porque imediatamente reparei em como ela ficava linda com a luz do Sol brilhando em seus cabelos; e acabei descobrindo que não eram pretos como eu pensava, e sim de um tom de castanho avermelhado…
— Eu disse para minha chefe que essa primeira reunião não era necessária porque ela é, em teoria, para gente conhecer melhor o entrevistado e… Bom… — soltou uma risada bufada que parecia deboche. — Mas ela insistiu e estamos aqui.
— Eu sinto muito — deixei escapar.
As narinas dela inflaram e essa foi a única suspeira que tive de que ela ouviu o que falei.
— Então, , quais são suas expectativas para esse retorno? — perguntou, ignorando o elefante branco na sala.
— , eu realmente…
— Não. — ela me cortou imediatamente.
— Não…?
— Não — repetiu. — Você pode fazer uma rosquinha com as suas desculpas, enfiar no meio do seu cu e me dizer que porra você espera dessa merda de comeback pra eu poder terminar meu relatório e ir embora daqui.
— Se você não queria fazer essa merda de matéria, por que está aqui?
— Porque algumas pessoas tem contas pra pagar, Mitchell, responsabilidades e precisam lidar com as consequências dos seus atos. Se você acha que o sonho da minha vida era cobrir a morte iminente de bandinha falida…
— Bandinha falida?
— Você foi de hits a topos de paradas como se nada tivesse acontecido e eu precisei lidar com as consequências, porra — sua voz subiu e as bochechas salientes começaram a ganhar cor. — Eu quase perdi meu financiamento. Penei igual uma cachorra pra conseguir um emprego. E tudo o que eu consigo é fazer matérias ridículas e inúteis como essa porque é tudo que eles acham que eu sou capaz de fazer depois daquilo e aí você me vem depois de dez anos dizer que está arrependido? — Ela descruzou as pernas e se curvou pra frente, os cabelos caindo e balançando como um anjo do inferno testando minha paciência. — Eu demorei muito tempo pra conseguir deixar a sua imbecilidade pra trás pra você vir jogando tudo na minha cara agora e choramingar que está arrependido. Um caralho que está!
Eu sabia que merecia cada uma daquelas ofensas. Sabia.
Mas não queria dizer que não estivesse puto por ela simplesmente não aceitar que eu me sentia muito pelas minhas escolhas ruins terem magoado ela. Porque eu realmente me arrependia. Porque eu realmente pensava naquilo com uma certa frequência, até.
Se eu pudesse voltar naquela noite, teria simplesmente deixado ela em paz quando ela me deu o fora. Aquilo teria evitado muito sofrimento pra nós dois.
E teria evitado aquela vontade feroz que eu tinha de agarrar ela pelos cabelos e…
Sacudi a cabeça.
— Ah, quer saber? — rugi. — Foda-se. Escreve aí nessa merda que eu…
Travei.
As palavras de Rachel seguraram minha língua.
Aqueles três dependiam de mim. Eu era o representante. E se Pex estava responsável por aquela matéria, eu precisava ter cuidado com cada uma de minhas palavras.
Porque ela tinha motivo.
Tinha oportunidade.
E qualquer coisa errada que eu dissesse seria o suficiente para ela enterrar o McFLY sem nem sujar suas unhas pintadas de vermelho.
— Sim? — Perguntou, com um sorriso no rosto, esperando que eu lhe entregasse o que precisava para me destruir.
A infeliz era inteligente.
Ardilosa.
Usava o corpo como arma com todas aquelas curvas, cruzadas de pernas e balançadas de cabelo.
Mas seu veneno estava na língua feroz. Nas palavras que sussurrava e escrevia.
E eu precisava aprender a me defender.
Respirei fundo.
— Escreve que o McFLY é a minha família — declarei, resolvendo me abrir porque era o único jeito. A verdade, mesmo que me envergonhasse e me deixasse tenso. — E que esse tipo de afastamento é normal, porque significa que nós nos amamos o suficiente pra ficarmos magoados um com o outro. E que eu espero que agora, depois desses anos e do que cada um de nós precisou passar sozinho, possamos sentar e conversar como adultos e voltarmos a…
As palavras se embaralharam com o sorriso sincero que exibiu em seu rosto. Seus olhos escuros estavam fixos no meu, me revirando do avesso atrás de segredos.
— Você está dizendo que o fato de Danny Jones ignorar toda e qualquer tentativa de contato de vocês é sinal de afeto? Que Dougie Poynter ter se enfiado em uma jornada autodepreciativa de drogas é por amor? Que Tom Fletcher não ter convidado nenhum de vocês pro casamento dele é normal?
Alerta vermelho. Ela tinha feito uma boa pesquisa e estava me empurrando para uma armadilha.
— O que eu estou dizendo — desenhei cada uma das palavras em meus lábios, tomando cuidado com o que dizia. — Que o contrário do amor é a indiferença, não a raiva. Se tem raiva é porque ainda tem chance.
desviou o olhar.
Te peguei, não foi?
Ela precisou de apenas três piscadas para se recuperar.
— Então você está me dizendo que está com raiva dos outros três?
A filha da puta era inteligente e rápida demais para o meu gosto.
— Coisas foram ditas, certo? Não estou negando que aconteceram coisas ruins antes de… Antes de irmos cada um pra um canto. Então sim, estamos chateados, com raiva, o que seja. Uns mais que outros.
— Entendi — ela disse. Mexeu no celular e só então percebi que estava gravando quando parou a gravação. Ela devia ter me falado, certo? Ela levantou o olhar e percebeu minha cara de bosta amassada e sorriu. — Não se preocupe. Eu gravo as entrevistas para não deixar minha memória distorcer o que foi dito. Por isso, preciso te pedir pra deixar as questões pessoais de fora das gravações. Minha chefe pode pedir pra ouvir porque ela sabe que eu gravo e… Já tive humilhação demais pra uma vida.
Culpa minha.
— … Eu realmente sinto muito — tentei mais uma vez.
— Foda-se, — retrucou. — Seus sentimentos não vão apagar o que aconteceu.
— Eu sei. Sinto muito — O pedido de desculpas saiu de novo e fechei meus olhos, me sentindo um imbecil. Tinha ensaiado pedir desculpas para por anos e só conseguia dizer baboseiras superficiais com ela na minha frente.
— Já tem muito tempo — ela suspirou e, por um segundo, vi-a despir a imagem poderosa. Estava apenas cansada por trás daquilo tudo.
— Eu sei — repeti. — Espero que você tenha ficado bem.
— Eu pareço bem? — perguntou, abrindo os braços.
Cruzou as pernas novamente e balançou a cabeça em negação, inconformada. Respirou fundo e sumiu. Voltou a selvageria em seus olhos.
— Tudo bem — concordei. — Faça o seu pior. Eu mereço.
cerrou os olhos em minha direção, mas havia um breve sorriso em seu rosto. Seja lá o que passou em sua cabeça, parecia ter gostado do que eu disse.
— Vou voltar a gravar agora — anunciou.
Pelos seguintes vinte minutos, explicou o processo das entrevistas de forma altamente profissional e eu respeitei, apenas concordando quando era solicitado. Explicou que tinha livre acesso à minha rotina, mas que haveriam entrevistas marcadas para acompanhar o processo porque, de acordo com ela, não tinha interesse algum em me perseguir vinte e quatro horas por dia.
— Agora, só para terminar… Hm… — ela pegou uma agendinha de dentro da bolsa e folheou parecendo incerta pela primeira vez na entrevista. — Eu não tenho acesso à consultas médicas, é claro. Mas amanhã vocês tem… A primeira terapia em grupo, é isso?
Me senti levemente envergonhado que fosse de conhecimento público que iríamos fazer terapia. Juntei as mãos, sem saber o que dizer, mesmo que fosse apenas para responder sim.
— , se você se sentir mais confortável, podemos tratar desse assunto com o nome de reuniões de conciliação — sugeriu.
Levantei o olhar para ela, agradecido que soubesse ler minha insegurança e que fosse gentil o suficiente para não usar contra mim. Principalmente depois da minha inércia ter permitido que ela passasse pelo que passou sozinha.
— É… Sim — concordei. — Separados primeiro, eu acho.
Ela era boa. Profissional.
Eu tinha conhecido a jovem e selvagem , divertida e sem limites. Foi por apenas uma noite, mas era o suficiente para saber que nada no mundo a transformaria na mulher que estava na minha frente, passível e controlada. Nem mesmo o que precisou passar por minha causa.
performava uma profissional. Ainda estava ali por baixo, nas nuances, na sensualidade, na ferocidade com que me guiava para o caminho que queria seguir. Mas todo aquele controle?
Era fachada. Uma personagem.
Uma hora com ela e eu tinha certeza.
— Entendi — acenou. — E você já pensou sobre isso? Se isso vai ajudar vocês?
Torci a boca.
— Acho que vai.
suspirou e apertou algo na tela do celular, encerrando a gravação de voz.
— , eu sei que tem muita coisa acontecendo — ainda era a profissional, apesar da gravação encerrada. — Tem muita coisa aqui — ela acenou de mim para ela. — E tem muita coisa acontecendo no seu mundinho também. Mas eu preciso que você fale ou não faz sentido eu estar aqui. E acredite em mim: se colocarem outra pessoa no meu lugar, você não vai gostar.
Soltei uma risada debochada.
— Quem no mundo ia ser pior que você? — respondi.
sorriu de lado. A língua correu pelos lábios antes dos dentes. Estava fazendo um esforço maior para se conter dentro da personagem que criou. Se eu sacudisse um pouco mais, ela saíria de novo para gritar palavrões na minha cara.
— Alguém que não se importa com os fatos — respondeu. — Alguém que vai sentar aqui com um sorriso no rosto, te ludibriar com perguntas e distorcer todas as suas respostas do jeito que bem entender. Acredite em mim, eu sei exatamente quem vão mandar no meu lugar se isso — ela apontou de novo de mim para ela. — Não der certo.
— É que tem alguns fatos que eu… — suspirei, balançando a cabeça. — Algumas coisas que eu não quero falar.
concordou com a cabeça.
— Então vamos negociar — disse, apenas. Descruzou as pernas e voltou a se curvar para frente, o que era uma droga porque o decote dela também tirava a minha concentração. — Preciso dizer que tem algumas coisas que não posso abrir mão. Não posso deixar de relatar o que está acontecendo no momento, como… as reuniões de conciliação. Mas existem coisas que podemos… tentar evitar mencionar. Então… Qual é o fato que você mais gostaria que eu passasse longe?
Pisquei e fechei os olhos, mesmo que não precissasse pensar muito para saber quem eu protegeria primeiro. Levaria todos os chumbos do mundo para que ele não levasse nem um peteleco.
— Dougie — respondi, simplesmente.
— Estamos em off aqui, — ela lembrou. — Dougie é um tópico muito abrangente.
— Dougie e os problemas dele com drogas — expliquei. — E a reabilitação.
Ela abaixou o olhar antes de voltar a me encarar, sentando ereta com as mãos juntas.
— A reabilitação é algo que está acontecendo agora e eu não sei se posso evitar falar disso — explicou. — O que me leva a falar das drogas. Mas eu prometo que vou fazer de tudo em meu poder para passar apenas em menção. Não tenho interesse em atrapalhar o processo de cura dele.
Ela pareceu sincera e isso significou o mundo pra mim
— Obrigado — murmurei, a emoção dançando pelos meus olhos. Conseguia sentir o peso saindo dos meus ombros. podia fazer o que quisesse comigo e com os outros dois, mas só de saber que Dougie estava livre, sentia um alívio absurdo.
— E como ele está? — perguntou baixinho. — Você foi visitá-lo, não foi? Uns dias atrás?
— Há quando tempo está me seguindo? — perguntei.
Ela riu de verdade, os cabelos balançando, as bochechas ganhando cor. Ela tinha aquela risada que iluminava o ambiente e envolvia todo mundo ao redor, tanto que me peguei sorrindo. Era quase tão dominante quanto a risada de Danny, que eu não ouvia há uns bons cinco anos.
Sem a gravação, parecia mais com a garota que conheci. Despia parte da personagem-profissional.
— Não estou te seguindo — respondeu, ainda com o sorriso no rosto. — Só sou bem informada. Você sabe… A imprensa sabe dos problemas do Poynter. Eu trabalho com esses boatos, fofocas, então claro que já chegou na minha mesa os boatos da reabilitação, eu só não quis relatar porque é um assunto sensível e ninguem sabe de nada certo. Mas, em algum momento, a informação vai vazar.
Acenei com a cabeça enquanto refletia. Sabia que não tinha como impedir de todo mundo saber de Dougie, não por muito tempo. Mas guiar , pelo menos ela, para aprofundar em outros assuntos já ajudaria muito. Notinhas de Dougie na reabilitação poderiam sair a qualquer momento, mas nenhuma delas seria diretamente de mim. Nenhuma delas tentaria tirar meu sangue para contar o que aconteceu.
— Ele está bem — contei. — Realmente bem. Não sei se me lembro de quando foi a última vez que o vi assim… De verdade.
O sorriso de se alargou.
— Fico feliz em saber — disse. — Eu lembro do Poynter. Eu tinha uma amiga do Brasil… Ahn… Ela era muito fã de vocês. Dele principalmente. Quando a Gabs disse que conhecia vocês e que vocês iam na festa dela… — Gabs! Esse era o nome da piolhenta, conseguia me lembrar. — Eu prometi que ia gravar um vídeo dele pra ela e eu… Eu tentei. — Eu lembrava disso também. Cheguei a achar que era uma fã. — Mas ele já… Ele já tinha problemas com isso, eu acho — Ela deu de ombros e parecia séria, triste, até. — Nunca mandei o vídeo pra ela. É… Não conheça seus ídolos, certo?
— É — concordei.
Ela passou a mão pela saia, puxando para baixo e voltou a cruzar as pernas.
Um inferno.
Aquele cruza e descruza com certeza estava afetando minha cognição.
— Mas, bem — ela sorriu. — O que você pode me oferecer em troca de proteger a integridade do seu namorado?
Ri de verdade. Todas as piadas de relacionamento com Dougie sempre me faziam rir.
As pessoas usavam aquele tipo de piada como se fosse algo ruim, para nos afetar, e a gente achou divertido.
Minha reação não pareceu surpreender e percebi que talvez ela só estivesse fazendo a piada no mesmo tom em que nós mesmos fazíamos. Para aliviar o clima pesado que ficou depois do que ela disse.
— O que você quer em troca? — Fui sincero.
— Quero que a gente aborde a briga — falou, sem nem pestanejar. — Não precisa ser hoje. Não precisa ser nem nas entrevistas iniciais. Mas ninguém nunca sequer soube que vocês brigaram, embora suposições pudessem ser feitas. Eu quero que você me fale da briga e quero que seja uma exclusiva.
Não falar da briga estaria entre meus pedidos de assuntos para evitar. Mas entre Dougie e isso, sabia muito bem do que abrir mão.
— Eu te dou a briga e você passa longe de qualquer questão sobre as drogas ou a reabilitação?
— Usarei apenas o que for de conhecimento público e previamente autorizado por você — explicou. — Não vou me meter, questionar ou gravar qualquer coisa que tenha a ver com isso.
Fechei os olhos e ponderei. Falar da briga não seria fácil, mas… Dougie estava realmente melhorando e de forma alguma deixaria a mídia cair em cima dele.
A briga talvez precisasse ser editada.
Mas esse era um problema para o futuro.
— Feito.
Closing time, getting thrown out of pubs
Dez anos antes.
— Aqui.
Ela me entregou um saco com gelo e coloquei na minha boca. Sentado no ponto de ônibus como um marginal, expulso do bar por brigar por um mal entendido.
O outro cara pelo menos tinha levado a pior e foi acolhido pelo bar. Eu, o provocador de brigas, fui removido e me deixaram saber que eu talvez não fosse bem vindo ali nunca mais.
— Obrigado — agradeci. A garota acenou e sentou ao meu lado. — Não vai voltar pra festa?
Ela deu de ombros.
— Não vou te deixar sozinho e seus amigos estão bêbados demais pra se importar — ela sorriu, levemente triste. — Gabs nem vai lembrar, eu acho.
Concordei com a cabeça e lancei um longo olhar para a garota mais uma vez. A filha da puta era bonita e sabia o que fazer com isso. Curvas mais acentuadas que o normal e lábios carnudos em vermelho escuro.
— Talvez a gente pudesse começar de novo? — sugeri. Ela olhou pra mim, franzindo as sobrancelhas. Estiquei a mão esquerda para ela. — Sou . Mitchell. Baterista de uma banda.
— — respondeu. Fechou os olhos como se arrependesse e suas bochechas ficaram um pouco vermelhas. — . Pex. Eu sou do Brasil e ganhei uma bolsa pra Westminster. Estudo jornalismo.
— Legal — declarei. — … — Era difícil falar o nome dela.
— — ela sorriu.
— Pex é mesmo seu sobrenome? É diferente.
— Não é — riu baixinho. — Mas vocês britânicos não conseguem dizer.
— Eu quero tentar.
— Peixoto — ela disse devagar.
— Peix… — minha língua enrolou e soltei uma gargalhada que doeu o canto da minha boca, onde tinha levado o soco. — Pex. Entendi.
Ela riu baixinho e bateu a mão na perna, se levantando e estendendo a mão na minha direção. Aceitei, mesmo sem saber o que estávamos fazendo.
Ela acenou para o ônibus que estava passando, entrou e eu a segui porque… Bom. O que vai iria fazer?
Dias atuais
— Olá, — a mulher na minha frente sorriu, segurando uma prancheta e uma caneta. A memória de com sua agendinha e seu celular veio à minha mente e me deixou desconfortável. — Sou a doutora Meghan Hilton.
Minha perna estava tremendo e não consegui parar. Esperar Danny e Dougie passarem pela consulta até ser atendido parecia ter explodido a pouca paciência que eu tinha. Isso e o fato de que Rachel estava fugindo de mim.
— Prazer, doutora — me dignei a responder.
Claro que ela notou. Apontou para o meu tique com a caneta, o rosto tentando manter uma expressão amigável.
— Não precisa ficar nervoso, — alegou. — É só uma conversa. Estamos aqui para nos conhecer um pouco melhor.
Ri, quase debochado. Lembrava de dizendo quase a mesma coisa.
— Não estou nervoso — menti. — Só tem muita coisa acontecendo e eu tô meio cansado de entrevistas e conversas.
Ela concorcou com a cabeça.
— Me informaram sobre… Um documentário — alegou, incerta. — Gostaria de falar sobre porque isso está te incomodando?
Torci o nariz. Minha perna começou a balançar com ainda mais força.
— Já dei muitas entrevistas na minha vida, ok? Eu tô acostumado. Mas é que… — fechei os olhos. — O problema é que… O problema é a .
Falei o nome dela como se estivesse arrancando um curativo, de uma só vez para doer menos.
— é…?
— A jornalista que está fazendo a matéria. Era pra ser um documentário, mas sei lá o que está acontecendo agora — expliquei.
— E você está atraído por ela?
— Sim. Não — me corrigi, mas a doutora já estava anotando. — é uma pessoa do meu passado.
— Entendi — ela parou de escrever para me encarar. — Você gostaria de falar sobre isso?
— Não.
— Qual o contexto da relação de vocês?
— Nós flertamos, as coisas não acabaram bem e deu errado — resumi. — E, como ela diz, ela teve que lidar com as consequências.
A doutora Meghan esboçou dúvida por um microsegundo antes de voltar a expressão de dúvida.
— E como você se sente sobre isso?
— Remorso por não ter ajudado ela. E estou com medo que ela esteja atrás de vingança. E com medo do que vou falar pra ela porque ela pode usar pra me sacanear. Eu não sei. Quero dizer, se ela resolver me virar do avesso tá tudo bem, mas se ela…
Travei. Fechei minhas mãos em pulsos.
— Se ela resolver falar dos seus amigos? — Doutora Meghan perguntou, gentil. — Podemos chamar eles assim?
— É. Podemos.
Não falei mais nada e ela continuou me encarando, esperando que eu continuasse.
— Tudo bem, . A gente volta pra isso depois — ela sorriu. — Por que não me conta um pouco mais sobre você?
— Meu nome é Mitchell e eu sou baterista no McFLY — disse, no automático. Fechei os olhos e neguei com a cabeça. — Costumava ser. Tenho 34 anos e hoje ajudo pessoas a encontrarem suas melhores versões através de exercícios físicos. Estou solteiro. Não tive muita sorte com isso ultimamente. Só alguns poucos encontros espaçados. Confesso que não estou me esforçando muito.
— Interessante você se apresentar como baterista do McFLY — ela sorriu. — Sente muita falta da banda?
— Sinto — respondi sem medo.
— Do que você sente mais falta? — perguntou.
— De sentar com meus amigos e fazer música — respondi. — De só jogar conversa fora e de sacanear deles. De rir deles, com eles. Viajar. Comer coisas novas. Especialmente de ver a cara do Danny quando ele come algo novo e depois cai na gargalhada.
— Sente falta especialmente do Danny? — Ela perguntou.
— Sim. Um pouco — concordei. — Mas é que eu e Dougie conversamos as vezes. E o Tom também, embora não como antes. O Danny me ignora completamente.
— E isso magoa você?
— Muito.
— Preferia que… — ela ponderou por um segundo. — Que vocês conversassem, mas não como antes?
— Por que não pode ser como antes? — perguntei.
— Nunca pode ser como antes, — explicou. — As coisas quando são ditas ou feitas, não podem ser retiradas. Então as coisas não vão voltar a ser como antes, quando a inocência do que nunca aconteceu preserva.
— Você está dizendo que a gente nunca vai conseguir se reunir de novo?
— Não — ela sorriu. — Estou dizendo que não é possível quebrar um vaso, colar ele e esperar que ele fique exatamente do mesmo jeito — explicou. — Mas uma coisa muito mais interessante pode acontecer.
— Como assim?
— Vamos esquecer o vaso. Relações não são como coisas que quebram e são consertadas — ela largou o caderninho e me deu total atenção. — Relações são multifacetadas e depende de todos os lados, o que é muito mais intenso quando estamos falando de quatro pessoas distintamente diferentes. Relações tendem a se desgastar com problemas. E quando os problemas vem, discussões acontecem, é normal as pessoas se afastarem pra se proteger, mesmo que as vezes a ausência machuque mais do que o embate. É uma inércia, você entende? Enquanto não há o embate, a troca com o outro, você pode se enganar. Dizer que está tudo bem porque hoje, você e Danny não discutiram.
— Então o Danny me ignorar é um mecanismo de defesa?
— Ou você não ir bater na porta da casa dele? — ela perguntou e me senti corar. — Porque duas coisas podem sair desse embate, . Vocês podem se magoar e vai doer. Ou vocês podem sentar e conversar, até se resolverem, mas o processo também vai ser doloroso. Seja como for, … As coisas não vão voltar a ser como antes. Vocês podem nunca mais voltar a ser amigos ou podem ser ainda mais amigos que antes, mas jamais será igual. E você precisa se sentir pronto pra que hajam coisas novas. Deixar o passado onde ele deve estar.
— Hum — murmurei.
— Muita coisa pra pensar? — ela sorriu.
Dei de ombros.
— Sim. Um pouco — concordei.
— Isso é bom — ela voltou a pegar o caderninho. — Nós vamos encerrar por aqui, tudo bem? Mas vou precisar de um trabalho de casa — Torci o nariz e ela riu um pouquinho. — Vamos lá, não é difícil. É uma lista de cinco qualidades de cada um de seus companheiros de banda. E uma lista com cinco defeitos de cada um deles, e cinco defeitos seus.
— Essa última parte vai ser mais difícil — brinquei.
Ela riu e estendeu a mão. Apertei ao me levantar.
— Até a semana que vem, Sr. Mitchell. Pode pedir para o Sr. Fletcher entrar?
Concordei e me retirei.
Acenei para Tom assim que passei pela porta e ele se levantou, então eu marchei em direção ao escritório de Rachel.
Ela estava distraída em seu computador quando eu invadi a sala, sem me deixar ser anunciado. Ela pulou na cadeira de sustou e seu rosto refletiu o pânico.
— . Querido.
Falsa.
— Pex??? — Indaguei, puto da vida.
Rachel acenou para seu assistente que tinha corrido atrás de mim. Se levantou para despachá-lo e fechou a porta atrás de nós.
— Senta, — pediu, acenando. Ela deu a volta na mesa de trabalho e se sentou antes que eu me movesse. — Eu juro que tentei evitar.
— Ah, com certeza tentou — debochei.
— Ela nem trabalhava na ITV até semana passada. Eles queriam exatamente ela e fizeram um acordo com o The Sun pra que eles cedessem ela pro registro inicial — Rachel respirou fundo. — Se você quer saber, eu já não sei mais pra quem ela trabalha ou se trabalha pros dois. Uma hora eu descubro e te conto.
Rachel parecia cansada. estar encabeçando aquele registro não era bom para nenhum de nós.
— Mas ela ainda não sabe, sabe?
Rachel riu de mim como se eu fosse um idiota.
— Não, , ela não sabe o que você fez por ela — acenou. — Tanta coisa para se pensar e é com isso que você está preocupado. Eu estaria preocupado com o que ela está planejando escrever porque não tenho visto ela pegando leve com os outros.
Ela suspirou e abaixou a cabeça, encostando a testa nos braços, derrotada.
— Eu fiz um acordo com a diaba — declarei.
Rachel levantou os olhos e disse:
— Que ela tenha piedade de todos nós.
agora tinha meu número. Mandava mensagem perturbando minha paz e me fazia perder longos minutos com a cara dela me julgando.
Queria que ela não tivesse foto.
Queria que ela não fosse tão bonita.
E como assim ela tinha um gato? Ela era com certeza o tipo de pessoa que se alimentava de filhotinhos.
E agora tinha inventado de correr comigo.
Correr comigo.
De roupa de academia.
Tirando a porra da minha paz.
Meu sono.
Meu juízo.
A mulher tinha saído das profundezas do inferno pra destruir qualquer vestígio de sanidade que eu tinha e bem na hora que eu estava com os braços enfiados na merda por conta do McFLY.
Ela tinha esperado no escuro até o momento certo de dar o bote, eu tinha certeza.
A campainha tocou mais uma vez e eu não tinha mais como fugir, não depois de visualizar a mensagem. Como se adivinhasse meus pensamentos, ela segurou o dedo na campainha e o barulho continuou a tocar.
— Já vai! — gritei.
Abri a porta e segurei a respiração.
Nada no mundo me preparou para a visão de de shortinho e top, pronta pra correr comigo.
A roupa do dia anterior era recatada, de manga comprida, mas agora eu tinha a visão total da tatuagem que tinha acima do seio esquerdo e uma outra que serpenteava o pulso direito.
Fechei os olhos.
— Bom dia, — ela parecia saber exatamente o que estava fazendo pelo sorriso que exibia.
Pelo menos dessa vez estava sem batom demarcando os lábios. Sem aquele contorno escuro que ressaltava os olhos que ficavam meu julgando.
— Bom dia — resmunguei.
Ela me observou alongando como se eu fosse um cocô fedorento. O nariz franzido em desgosto.
— Quais são seus compromissos hoje? — perguntou.
Nenhum. Mas eu tinha dito a ela que tinha a agenda cheia. Eu só queria ficar na cama pensando no que aconteceu no dia anterior.
— Tenho uma consultoria sobre meu novo projeto — menti. Isso foi há quase um mês. Ela fez bico e com certeza não acreditou. Desviou o olhar de mim para a rua e tive alguns segundos pra olhar pra bunda dela sem apanhar. — Qual o seu nível? — Perguntei.
— Huh?
— Nas corridas.
— Sedentária? — riu.
— Não posso passar a manhã toda no seu ritmo — resmunguei.
Ela balançou a cabeça de um lado para o outro com um sorriso curto e de lado no rosto.
— Eu vou te deixar treinar — disse. — Vou aproveitar o tempo que puder disponibilizar para saber o que houve na sua reunião de conciliação. E o que mais surgir.
Concordei.
— Está gravando? — perguntei.
— Ainda não — respondeu. Puxou o celular da bolsa lateral que tinha amarrado na cintura e começou a mexer.
— Como conseguiu meu número? — perguntei.
— Minha chefe me colocou em contato com sua empresária e ela me deu seu número. Achamos que queria mais rápido. — Rachel. A culpa de me sentir julgado toda vez que pegava o celular era de Rachel. — Pronto. Como foi a reunião de conciliação?
Terminei de alongar e comecei a correr. ficou para trás e a ouvi xingar um palavrão enquanto desacelerava. Ela conseguiu me alcançar depois de dois quarteirões, bufando e descabelada.
— Estou adorando a entrevista — ri da cara dela, acelerando de novo.
A desgraçada correu com tudo que tinha atrás de mim. Me alcançou só porque eu diminui a velocidade de novo, com medo que ela tivesse um enfarte.
— Você passa em frente à casa de Danny Jones todos os dias? — indagou.
Olhei de rabo de olho para casa de Danny, por onde estávamos passando. Raramente o via porque costumava correr de manhã cedo, exceto quando ele estava chegando bêbado de uma balada.
— Quase todos os dias — confessei.
— E vocês conversam?
— Não.
— Por que?
Não respondi. Acelerei de novo e a deixei para trás. Cheguei no parque e não havia sinal nenhum dela atrás de mim, mas ao final da primeira volta, lá estava ela.
— Como foi a primeira reunião de conciliação? — Insistiu, tentando me seguir de perto.
— Interessante. Aprendi coisas novas.
— Falaram da relação de vocês?
— A reunião foi só comigo.
— E sobre o que vocês falaram?
— Sobre relações e pessoas e coisas que quebram — relatei.
— E só?
— Não.
— O que mais, então?
— Coisas… Pessoais.
entendeu que era sobre ela na hora. O susto a fez desacelerar. Olhei pra trás a tempo de vê-la parar a gravação.
Na volta seguinte, a encontrei sentada em um banco do parque, com um copo de café em mãos e outro ao seu lado, mas dei mais uma volta antes de aceitar o claro convite e me sentar ao seu lado.
— Já está morno — ela me ofereceu o café como uma oferta de paz.
— Obrigado — agradeci. Era um pouco mais forte do que eu gostava, mas gentileza era gentileza.
— Minha chefe vai me matar se eu chegar na redação só com isso, sabe? — ela sorriu de lado. O vento estava forte, bagunçando ainda mais seu cabelo rebelde que soltava do rabo de cavalo. — Você não é um entrevistado fácil.
— Você também não é uma entrevistadora fácil — aleguei.
Ela me deu um sorriso e voltou a beber o café. Ficamos em silêncio e cumprimentei algumas pessoas que conhecia das minhas corridas.
— Eu não te culpei — ela falou, por fim. — Não no começo, pelo menos. Pra mim, você era uma vítima também.
— Nao foi muito fácil pra mim também — concordei,.
— Eu sei — ela suspirou. — Eu acho que eu só queria alguém pra conversar sobre isso. Alguém que entendesse. Pensei que era você… Mas você bateu a porta na minha cara — ela fechou o rosto, com raiva. — E foi a primeira de muitas portas que fecharam na minha cara por conta daquilo. Por causa de uma noite de bebedeira. Por causa de um micro segundo.
— A ideia foi sua — resmunguei.
— Qualquer outra pessoa e ninguém nunca teria visto — reclamou. — Mas era você. O baterista da banda queridinha do Reino Unido.
— É minha culpa ser quem eu sou?
— Não. É sua culpa se aproveitar disso — rosnou. — Ficar no seu lugar de poder enquanto todo mundo caía em cima da garota imigrante assustada. A minha bolsa de estudos chegou a ser revogada porque meu comportamento não conduzia com seja lá qual fosse o ideal britânico que alegaram. Eu estava pra perder meu visto quando consegui uma bolsa nova, mas sabe? Voltar pra casa não era tão ruim, eu teria me reconstruído lá, de qualquer forma, mas eu escolhi ficar. E começou a ficar realmente difícil difícil depois.
Ah, merda. Eu fiquei sabendo da bolsa na época. Não era atoa que ela me odiava.
Ela riu, parecendo insana. Virou o rosto para me olhar, vermelho. Engoli a seco.
— Mas sabe qual a pior parte? — perguntou. — Contra todas as chances, eu me formei. Especializada em política internacional e tudo. Mas todos os babacas que me julgaram pegaram os melhores empregos. As meninas mais escrotas foram junto. Todos subiram rapidinho na carreira. E pra mim sobrou ficar destruindo vidas como fizeram com a minha. Todo dia, quando eu sento na minha mesa e vou escrever uma fofoca, eu penso na jovem e seus sonhos estúpidos que foram destruídos no momento em que entrou naquele ônibus com você.
Ela jogou o copo de café no lixo à distância e um pouco do líquido esguixou para fora da lixeira.
— Eu preciso de algo mais forte — reclamou ao seu levantar. — Boa sorte na sua… Consultoria.
sumiu antes mesmo que eu pudesse pensar em lhe pedir desculpas novamente. Eu sabia que as coisas tinham dado errado pra ela, mas ninguém nunca me contou que era naquele nível. Toda aquela aspereza com que me tratava fazia muito mais sentido.
E fazia muito mais sentido que estivesse preparando uma armadilha pra mim com aquele documentário.
Olhei para o meu café, ponderando se estava envenenado, mas levando em consideração que já tinha bebido a metade, o mal já estava feito, então dei de ombros e continuei a beber.
Eu precisava de mais informações porque ela sabia da minha vida inteira.
Precisava me armar também.
E sabia exatamente por onde começar.
But it didn’t stop us
Dez anos antes.
Ela ignorou todos os lugares vazios e parou agarrada em um dos ferros de sustentação do ônibus, encarando a janela. Fiquei sem graça de me sentar e me acomodei ao lado dela.
— Para onde estamos indo?
Era errado eu torcer para que ela estivesse me levando pra casa dela? Mesmo que aparentemente fosse há quase duas horas de distância?
— Pro Soho — ela sorriu. — Fui só umas duas vezes lá, mas já que ele pub não quer nos aceitar, lá temos mais opções.
O Soho. Já tinha ido lá algumas vezes, mas poucas acabaram bem. Fletch, nosso empresário, nos proibiu há alguns anos, ele disse que nós fazíamos destruição demais pra música que tocávamos, eu nunca entendi o que ele quis dizer com isso.
Bom… Para Fletch, eu estava do outro lado do Tâmisa, nem perto. E o que Fletch não sabia, bronca eu não levava.
— Você sabe pra onde está indo, né? — brinquei. — Ou eu preciso te guiar?
Ela riu.
— Fica à vontade — apontou para a cidade. — Eu tô aqui há só um ano. Um pouco mais. E no começo eu não sabia nada da vida, me assustava a toa. Ainda me perco.
— Você veio pra cá com quantos anos? — perguntei.
— 18 — respondeu.
— Então tem 19 agora?
— Acabei de fazer 20 — ela virou o rosto pra me olhar, mas voltou para a cidade, encantada. Como se ainda estivesse vendo pela primeira vez.
E cada segundo mais que eu passava olhando pra ela, mais vontade eu sentia de beijá-la.
Não consegui resistir e passei dois de meus dedos pelo seu cabelo, admirando como ele era diferente, tão escuro, tão difícil de definir. Um liso ondulado que cacheava nas pontas. Meu gesto chamou a atenção de , virou aquele olhar de carvão seco em minha direção, me observando com um sorriso.
— … — ela chamou minha atenção.
— Huh?
— Você é muito bonito.
Deixei meu sorriso se alargar e joguei o cabelo dela para trás, desnudando seu ombro. Eu sabia que era um cara bonito, mas era sempre bom ouvir, principalmente de uma garota como aquela.
— E você é espetacular, .
Ela sorriu aberto pela primeira vez naquela noite. Não era um sorriso misterioso, provocador ou gentil. O elogio moveu suas maçãs do rosto e a fez fechar os olhos e me fez sorrir junto.
Pensei em beijá-la ali. Já tive beijos em situações muito piores que um ônibus atravessando o Tâmisa, mas eu já sabia que era diferente. Era especial. E que merecia um beijo melhor que aquele.
Mas bem na hora em que decidi esperar, o ônibus freeou e meu foi jogado contra o dela… E se encaixou de um jeito que foi impossível evitar…
Com o nariz em seu pescoço, suas costas grudadas em meu peito, minha mão em sua cintura…
Eu não fiz esforço algum para me mexer.
Dias atuais
— Você está fedendo — foi assim que Tom me cumprimentou, às nove da manhã numa cafeteria perto da gravadora.
— É bom te ver também, Fletcher — resmunguei.
Tom as vezes era mal humorado, eu entendia. Mas tentei ter em mente o que a psicóloga falou, o processo de se reconectar também era doloroso e nada nunca voltava a ser como antes.
Então eu poderia esperar um pouco de educação pra variar.
— Pelo jeito, você continua com aquela mania de correr toda manhã — ele torceu o nariz.
— Você é bem vindo a se juntar a mim quando quiser.
— Isso não vai acontecer — ele nem riu. Olhou pro balcão só por um momento e voltou a me encarar. — O que tá rolando? Algo com Dougie?
— Não — respondi imediatamente para não preocupá-lo. — É… Hm…
Tom colocou o notebook que estava na mesa entre nós dois de lado e realmente me encarou pela primeira vez em anos.
Cada um dos meus amigos do McFLY tinha algo especial. Danny sabia como fazer todo mundo se sentir confortável em um espaço, Dougie sempre tinha alguma coisa esperta e esquisita pra dizer pra quebrar o clima.
Já o Tom… O Tom te encarava de um jeito que puxava sua alma pra fora e fazia você se sentir especial, nem que fosse só por aquele momento. Eu nunca soube como ele fazia isso, mas me peguei tentando imitá-lo através dos anos, atendendo fãs. Nunca consegui.
— O que tá pegando, cara? — perguntou.
E foi como entrar em um túnel do tempo, voltar aos dias que passávamos conversando coisas sérias que os outros dois ainda não entendiam. Tom sempre foi o cara dos conselhos pra mim.
E com aquela atenção toda, com nossa intimidade parecendo voltar ao lugar, qualquer vestígio de constrangimento sumiu.
— O que você sabe sobre Pex? — perguntei.
Ele encolheu as sobrancelhas, estranhando o assunto e jogou o corpo para trás.
— Você ainda tá nessa, cara? — perguntou. — Lembro que você ficou obcecado por ela um tempão atrás. Vivia me perguntando, mas eu tava com a cabeça enfiada na bosta e não te dei muita atenção — ele torceu o nariz como se tivesse acabado de perceber algo realmente podre.
Sim. Algo sobre meu problema com ter afetado a amizade dele com a piolhenta. Ele jogou isso na minha cara no meio da confusão.
— Rachel te contou sobre um documentário? — perguntei.
— Brevemente…
Ele estava estranhando o rumo da história, mas continuava a dar atenção.
— Bom, o documentário meio que foi cancelado ou adiado. Não sei explicar — dei de ombros. — Mas mandaram uma jornalista pra me acompanhar durante o período das terapias pra fazer o registro inicial.
Tom xingou um palavrão baixinho.
— É a Pex — ele afirmou.
— A própria.
— Que merda — murmurou. — Ela já escreveu sobre mim. A última vez não foi tão gentil.
— Ela é a amiga daquela sua amiga — expliquei. Ele franziu a testa. — A piolhenta.
Tom riscou um riso.
— Da Gabi? — parou para refletir. — Gabi adora ela, acha ela engraçada.
Torci a cara.
— Isso é tudo que você sabe?
— Sei que ela ensinou português pra Gabi e cozinha bem. Ah! E que ela detesta a chefe dela — ele riu amarelo. — Gabs e eu passamos um bom tempo… Ahn… afastados. Nos reaproximamos tem umas semanas só, mas, sim, ela fala da . Só não muito. Muda de assunto toda vez, agora eu sei porquê.
Deixei minha postura desmontar e soltei todo ar do meu pulmão.
— me odeia, cara — desabafei. — Ela vai me destroçar nesse registro aí.
Tom sorriu de lado, me dando um breve vislumbre da sua covinha estranha de um lado só.
— Desculpa não poder te ajudar muito — murmurou. — Mas prometo que vou tentar falar com a Gabs e descobrir qualquer coisa útil. E aí eu te aviso.
Concordei com a cabeça
— Obrigado, cara — acenei, me preparando para levantar. — Não vou tomar mais do seu tempo.
Ele sorriu de verdade.
— Foi bom te ver, de qualquer maneira.
— Talvez a gente possa repetir isso qualquer outro dia? — sugeri.
— Se você prometer que vai tomar banho…
Rimos juntos. Como nos velhos tempos.
Foi realmente como entrar num túnel do tempo e, ao sair da cafeteria, encarei sua fachada, tentando absorver. OneMore estava escrito em letras rústicas e bem demarcadas.
Talvez ainda tivéssemos mais uma chance.
***
Pex alugou um triplex na minha cabeça.
Eu passava 80% do meu tempo falando dela e nos outros 20% esperava que alguém me perguntasse algo sobre ela para que eu pudesse falar também.
Isso queria dizer que eu estava reclamando de com meus amigos mesmo que nada tivesse acontecido desde a corrida. Até Dougie tinha recebido mensagens minhas, atualizando-o sobre ser a responsável pelo registro inicial do documentário, não que ele tivesse respondido. Ele nunca foi muito apegado ao celular e na reabilitação ninguém incentivava o uso, então… uma hora ele iria me responder.
Eu passava metade do tempo procurando o nome de no editorial do The Sun, buscando sobre o que ela estava escrevendo e se havia qualquer nota sobre mim ou os caras. Achei duas recentes sobre Danny e suas festanças que foram bem ofensivas… Uma de Tom, a que ele mencionou ter incomodado ele, falando sobre seu casamento não concretizado. Tinham mais, mas mais antigas, e foi assim que encontrei uma notinha sobre Dougie, há quase um ano, falando sobre uma confusão em um bar nos Estados Unidos.
Nada sobre mim.
Nada sobre mim em nenhum momento.
Se pesquisasse o nome dela e o meu, só encontravam as matérias da confusão de dez anos atrás.
nunca escreveu sobre mim.
Por quê?
Eu era tão irrelevante assim pra nunca ser assunto das fofocas da sua mesa? Porque outros editoriais falavam com frequência de meus encontros românticos desastrosos como se fossem uma série que acompanhavam desde .
Mas nada dela sobre mim.
Nem mesmo uma citação nas matérias dos outros caras do McFLY.
Se eu buscasse por festas e eventos que compareci, ela falava de tudo.
Menos de mim.
Qual era o problema dela?
Resmunguei baixinho, voltando pra aba do computador onde tentava fazer o trabalho de casa da psicóloga. A próxima consulta já era no dia seguinte e eu só tinha conseguido escrever sobre as qualidades de Dougie porque meu cérebro parecia derretido para todas as outras coisas.
QTom:
— Sincero
— Leal
…
Travei. Mudei para os defeitos de Danny. Essa seria fácil.
DDanny:
— Filho da puta
— Arrogante
— Insensível
Meu telefone vibrou três vezes bem quando eu estava prestes a usar outro palavrão pra descrever Danny. Ignorei as listas mais uma vez, pegando o aparelho.
Não entendi nada.
Fiquei encarando a conversa, esperando ela dizer que mandou pra pessoa errada ou apagar, mas mal passou um minuto e a campainha começou a tocar incansavelmente, como no dia que ela saiu pra correr comigo e, assim que viu que eu tinha visualizado a mensagem, perdeu a paciência e começou a me perturbar com a campainha.
Respirei fundo. Não tava preparado pra outro embate com , não naquele dia. Não nas vésperar de mais uma consulta com a terapeuta. A última não foi ruim, mas me deixou pensativo demais.
Abri a porta.
estava no batente com uma cara de poucos amigos, a franja mais bagunçada que o normal, um casaco marrom leve caindo pelo braço, exibindo uma blusa de alcinha por baixo, carregando uma bolsa aberta toda bagunçada e com um gato pequeno no colo, que brincava com seu colar.
— Finalmente! — resmungou. Colocou o gato no chão e o empurrou pra dentro da minha casa pelo meio das minhas pernas. — Vai, querido. Você tá ficando pesado.
— Quê? — pulei, vendo o gato passar. — Eu não quero um gato.
— Não é seu gato, é meu gato.
— E você solta essa fera selvagem na minha casa assim? — reclamei, entrando para pegar o gato, que já estava se sentindo dono do lugar.
Peguei o gato segundos antes dele subir na minha estante da TV e ele miou alto e fino, fincando as pequenas unhas em mim.
— E onde você esperava que eu deixasse ele? — entrou na sala de TV atrás de mim, arrancando o gato das minhas mãos e protegendo ele (de mim?) em seu colo. — Dá pra você me ajudar com a minha mala?
Travei. Meu cérebro não computou a informação.
— Mala? — falei. E tenho certeza que minha voz saiu como se alguém estivesse estrangulando minhas bolas.
desmontou também.
Algo na expressão altiva e segura dela sumiu por um breve momento quando ela percebeu minha confusão; que eu não estava de implicância com ela. Eu apenas não estava entendendo.
— Ninguém te falou? — perguntou. Tive medo de responder. De perguntar. — Ninguém está feliz com suas respostas evasivas e sua falta de tempo livre… — ela respirou fundo. — Então eles resolveram me designar pra trabalho de campo, o que significa que você tem que ir lá fora pegar minha maça porque eu estou me mudando pra cá por tempo indeterminado.
Well, let’s close it in
Dez anos antes.
não esboçou qualquer reação a não ser respirar fundo, então apertei sua cintura com a força que eu queria e a puxei ainda para mais perto do meu corpo. Beijei seu pescoço, passando meus lábios de leve pela sua pele, sentindo-a estremecer.
— Eu ainda estou esperando você fazer o seu melhor — ela sussurrou.
— É só você deixar — murmurei de volta.
Meu coração estava disparado de um jeito que eu já nem lembrava mais que uma garota conseguia me fazer sentir. Eu mal a conhecia, mas ela nunca respondia o que eu esperava. A cada interação, parecia que ela me instigava cada vez mais.
Se continuasse assim, estaria de joelhos antes da noite terminar.
Respirei seu perfume bem fundo e ela girou, virando-se de frente para mim, cerrando aqueles olhos de águia em minha direção.
— Eu estava esperando mais de você — disse, sorrindo de lado. — Você só continua falando…
Bem naquela hora, enquanto a encarava sem prestar atenção direito na provocação momentânea, quase desisti do meu plano de dar a ela um primeiro beijo memorável porque só conseguia ver aqueles lábios pintados de vermelho ao meu alcance. Foi por muito pouco.
— É só você dizer as palavras mágicas e eu destruo o mundo pra você — falei.
Contei com a sorte. não parecia conhecer o McFLY o suficiente para saber que eu estava citando uma música que meus amigos escreveram.
Ela sorriu como se estivesse com sorte. Pôs-se nas pontas dos pés e segurou meu rosto com os dedos, raspando-os em minha barba.
Encostou o nariz no meu e tudo parou de se mover.
— Então a gente destrói juntos — declarou, como se fosse a coisa mais divertida que alguém já lhe prometeu.
Dias atuais
— Você devia ter lido o contrato — ela reclamou, ainda segurando seu gato, me vendo passar com suas duas malas pra dentro da minha casa.
Ela acariciava o bichano igual o Don Corleone e eu sabia que ela poderia ser cruel igual, mas estava certa.
Eu tinha lido os trechos importantes do contrato marcados por Rachel. Lembrava que Rachel dissera que eles podiam me acompanhar durante minha rotina diária e que poderia demorar seis meses, mas jamais pensei que me encontraria prester a abrigar Pex e seu gato no meu teto.
Eu deveria ter lido o contrato.
— Tenho quase certeza que não tem nada escrito lá que diz que eu preciso te aceitar na minha casa — reclamei. Mesmo que as malas dela já estivessem no meu hall de entrada, de porta fechada.
— Se tivesse lido o contrato, saberia que tem sim — ela disse, dando de ombros. — Você pode só ligar pra sua empresária e ouvir o que ela tem pra te dizer.
Ela soltou o gato novamente e ele saiu correndo em direção à sala de estar.
— Eu não quero essa fera selvagem solta por aí! — reclamei.
— É só um gato, não uma fera selvagem — ela retrucou. — Mas, bem, onde eu posso ficar?
Onde poderia ficar?
Na rua!
Na porra da casa dela!
Longe dos meus olhos pra que eu conseguisse sossego na minha casa e eventualmente conseguisse parar de pensar nela!
— O quê? — quase berrei. — Eu não vou te dar um quarto!
Ela deu de ombros como se não se importasse.
— Sem problemas — respondeu. — Eu posso ficar na sua sala de estar. Seu sofá parece confortável o suficiente e já vi que você não usa a mesa de lá, então posso trabalhar.
Ela puxou uma das malas e sumiu na mesma direção do gato como se fosse dona do lugar antes mesmo que eu pudesse gritar “o quê?” de novo.
Pois eu a segui, batendo os pés como uma criança birrenta.
— Por que você só não vai pra sua casa, merda?
me olhou de lado, a mala já estava aberta e ela tinha um tecido grande em mãos, parecendo um lençol. A franja estava caída e ocultava parte dos seus olhos, mas ela pareceu com a antiga naquele momento. Pelo jeito que me olhou.
Desceu pelo meu corpo do jeito errado, abrandando o fogo da raiva e aumentando a confusão na minha cabeça.
— Você devia mesmo ligar pra sua empresária — avisou. — Estou tão feliz em estar aqui quanto você em me receber.
Peguei o celular para ligar para Rachel. Da porta da sala de estar, via se acomodando enquanto a licação chamava e chamava… E caí na caixa postal. Liguei mais três vezes e já tinha forrado meu sofá, colocado um travesseiro e estava em posse de seu notebook, digitando algo em uma agilidade invejável.
Voltei para a sala de TV apenas para checar se meu computador estava bem. Fechei ele antes que ela pudesse espiar as listas que eu vinha criando ou minhas pesquisas sobre ela. Sabia que ela era capaz de xeretar, então só fiz uma nota mental para trocar minha senha para algo mais difícil quando meu celular vibrou.
Era apenas uma nota de Rachel.
Puta merda.
Larguei o celular no sofá e enfiei minhas duas mãos no cabelo, pensando que merda eu faria agora.
Pex debaixo do meu teto. Por um período mínimo de dois meses, máximo de seis e podendo se estender.
Pex dormindo na minha sala de estar.
A porra do perfume dela entranhando nas minhas coisas.
Esbarrar com ela no café da manhã.
Como sequer eu conseguiria dormir sabendo que ela estaria a uns trinta passos de mim?
Algo estranho passou pelas minhas pernas e levei um susto, dando um pulo e me afastando. A porra do gato miou na minha cara pra reclamar e andou em minha direção para se esfregar novamente. Tinha me seguido até ali e eu estava certo de que era um espião de para saber o que eu estava fazendo.
Peguei-o com as duas mãos pela barriga e voltei para a sala de estar. ergueu o olhar pra mim quando entrei com o gato e mordeu o lábio inferior.
Desgraçada.
Deixei o gato no braço do sofá.
— Pelo menos o gato está feliz — resmunguei, antes de me retirar.
***
Danny foi o último a chegar, como era de praxe, mas nem lhe dei muita atenção. estava tirando minha paciência e sanidade desde que tinha se instalado da minhca casa e meu cérebro só conseguia pensar nisso.
Isso e o fato de que ela não parava de me mandar mensagens.
Em menos de 24 horas, eu já conseguia listar várias manias irritantes de que estavam me tirando do sério.
Meu banheiro de uso comum tinha virado um porta cremes. Tinha creme pra tudo que é lado, coisas de cabelo e um bocado de maquiagem. Ela também pendurou uma plaquinha com dizeres em português que pesquisei no google pra saber o que significava “a vida é muito curta para viver o mesmo dia 2x” e por mais que odiasse a placa, sabia que parecia com ela.
E aí vinha a aquisição mais irritante desde o gato: tinha uma lixeira do lado do meu vaso. A porra de uma lixeira nojenta onde ela colocava papel higiênico usado sem nenhum motivo aparente a não ser me deixar maluco.
também gostava de escovar os dentes umas sete vezes por dia e pior: andando pela casa. Cada vez durava cerca de meia hora e ela sempre ia me procurar com a escova nos dentes, escovando e fazendo barulho, andando por aí, até voltar ao banheiro e se lavar.
Mas ainda achava que a pior parte eram as blusinhas que ela usava. tinha claramente uma divisão de roupas de casa e roupas de sair, e suas blusinhas de “casa” eram de alcinha, de tecido fino e confortável que mostravam a sombra do bico do seio e eu estava criando o costume de olhar para o teto toda vez que a gente se esbarrava, porque a visão derretia o meu cérebro.
O cheiro da comida dela também estava me deixando maluco. Cheirava bem pra caramba, mas ela comprava os próprios ingredientes e fazia a própria comida, então eu fazia a minha apenas por orgulho. E evitava estar na cozinha no mesmo momento que ela.
Ela ainda não estava falando comigo, não estava se metendo. As vezes, só em alguns momentos, passava para ver o que eu estava fazendo. O que não podia dizer do seu gato, que estava na minha cama quando eu acordei.
Ela me mandou mais uma maldita mensagem e respondi com raiva.
Eu não ia aguentar mais dois meses disso. Não ia. Rachel que me perdoasse, mas eu queria o destrato já.
Meu celular vibrou mais uma vez e me peguei revirando os olhos como um adolescente.
As mensagens chegaram uma atrás da outra e quando viu que eu visualizei e não respondi, ela mandou três pontos de interrogação.
Respirei fundo.
A maior parte do tempo, eu só ficava irritado como conseguia sugar toda a capacidade do meu cérebro, me deixando sem tempo ou espaço para pensar em qualquer outra coisa, mas havia uma pequena parte de mim que começou a cogitar usar aquela brecha para fazer me perdoar.
Quem sabe eu até conseguisse uma chance.
Uma pequena chance pra ela olhar pra mim mais uma vez.
Eu agarraria qualquer brecha a qualquer momento.
Então respondi com um ok e lhe contei onde estavam as frigideiras. Mesmo que ela fosse tão irritante.
Dougie saiu da sua consulta com a Dra. Hilton e olhei pra ele em expectativa, querendo saber se tinha corrido tudo bem. Ele abriu um daqueles sorrisos verdadeiros que encolhiam seus olhos e deixei meu olhar procurar o de Tom, que tinha me buscado também. Nós dois soltamos suspiros de alívio idênticos e Dougie saiu pra ser acompanhado por alguém de volta à reabilitação.
— Tudo bem se eu for agora? — Perguntei ao Tom, já que Danny me ignorava completamente.
— Não, cara, pode ir lá — Tom foi simpático.
Danny corou feito um pimentão, mas se tinha algo a dizer, não teve coragem e eu marchei para dentro da sala da Dra. Hilton torcendo pra que meu plano desse certo: Tom talvez fosse o único que conseguisse desmontar a pose de durão do DJ. Se eles conseguissem trocar algumas palavras, já seria o suficiente.
— Bom dia, — ela sorriu, apontando para a poltrona em frente à ela.
— Bom dia, Meghan — tentei chamá-la pelo primeiro nome, torcendo que não levasse uma cadernada na cabeça.
— Como foi sua semana? — perguntou.
Soltei o ar dos meus pulmões.
Como começar a contar tudo o que tinha acontecido naquela semana? Tudo que houve com até ela estar morando na minha casa, meu encontro com Tom e todas as coisas que estavam explodindo na minha cara?
Passou tempo demais antes que eu pudesse responder.
— Ainda está tendo problemas com a jornalista? — Perguntou. Ela passou o dedo pelo seu caderno e continuou. — , não é?
— Ela simplesmente está morando na minha casa agora, doutora…
Doutora Meghan sorriu.
— Isso foi rápido — disse. — Vocês se resolveram, então? A coisa do passado.
Percebi tarde demais que Meghan entendeu errado o que eu estava dizendo e o reboliço em meu estômago me informou que era exatamente aquilo que eu queria que tivesse acontecido.
— Não — neguei rapidamente, acenando com as mãos. — É algo do contrato. Eu… Fiz algumas coisas errado nas entrevistas e a chefia dela achou melhor ativar essa cláusula de acompanhamento total, então ela está na minha casa.
— E como isso está sendo pra você?
Terrível.
— Ela só se mudou ontem, então… — dei de ombros.
Um inferno.
— Essa jornalista, , parece te preocupar muito — doutora Meghan insistiu. — Na semana passada, você disse que estava com medo dela estar atrás de vingança por conta do desententimento do passado de vocês e que poderia machucar seus amigos no processo.
— É — concordei. — Eu conversei com ela sobre isso também. A gente fez um acordo pelo Dougie. Eu fui ver ele na reabilitação e ele está tão bem que não posso deixar fazer nada contra ele.
— Dougie é o que mais te preocupa?
— Sempre.
— Na consulta passada, tive a impressão de ser Danny — ela pontuou.
— Danny é como um gato, doutora. Ele geralmente cai de pé, soca a cara de alguém ou uma parede… — torci a boca. — Ou só ignora. Já o Dougie… Dougie guarda as coisas pra ele e depois tenta compensar de outras formas. Então, é, eu estou disposto a fazer qualquer coisa pra proteger o Dougie, principalmente agora que ele está melhorando.
— Mas você não acha que o Dougie precisa aprender a lidar com as próprias emoções sozinho? — ela questionou. — Se você e seus amigos sempre protegerem ele, a partir do momento em que não estiverem por perto, como ele vai lidar com isso?
Levei um soco inesperado na boca do estômago. Abri e fechei a boca várias vezes e, antes que pudesse perceber, senti as lágrimas se acumularem nos meus olhos.
— Eu não estava lá pra proteger o Dougie quando ele precisou — a culpa preencheu tudo dentro de mim e começou a transbordar pelos meus olhos. — E ele estava tomando aquela coisa. Aquela coisa quase matando ele, por muito pouco, e eu não estava lá.
— Dougie é seu amigo, — ela foi complacente. Me ofereceu uma caixinha de lenços. — Não sua responsabilidade. A culpa das escolhas ruins que ele fez não é sua.
Eu não estava nem aí para o que a doutora Meghan achava. Dentro de mim, sabia que eu poderia ter feito mais e há muito tempo.
— A gente se afastou e eu não fiz nada. Nada até ser quase tarde demais — eu ainda me sentia um lixo. — Eu devia ter notado antes, mas a gente quase nunca se falava, quase nunca se via. E quando percebi… Foi tão por tão pouco. Tom e eu ficamos malucos.
— Tom e você — ela pontuou. — Mas não Danny?
— Danny não dá abertura pra gente — reclamei. — E eu tentei. Tentei muito. Queria que ele estivesse lá pro Dougie, mas ele não quer participar e fica vivendo essa vida perigosa, enchendo a cara e tudo mais. Isso me tira o sono, as vezes.
— Você se põe responsabilidades demais, — ela sorriu. — Dougie não é sua responsabilidade. Danny também não é. Você pode ajudá-los, mas só eles podem escolher o que querem fazer com essa ajuda.
Pisquei meus olhos algumas vezes, tentando absorver a informação.
Como assim Danny também não era minha responsabilidade?
Tinha algo acontecendo, não tinha?
Danny tava com a cabeça enfiada na merda também?
Danny estava precisando de mim e eu só ficava de braço cruzado, esperando ele perceber que era um completo imbecil?
Eu precisava dar um jeito nisso. Precisava deixar Danny saber que eu estava disponível pra ele.
Não podia deixar ele sozinho. Não podia deixar nas mãos de Tom para resolver.
Teria que ser eu.
— ? — doutora Meghan me chamou. — Tudo bem?
— É — murmurei. — Tô pensando no Danny.
— No que está pensando?
— Em como eu podia tentar mais com o Danny — suspirei. — Eu fico com raiva dele, às vezes, mas é porque nós sempre fomos melhores amigos… Tom e Dougie também são meus melhores amigos, mas o Danny… A gente vibra na mesma frequência, sabe? Eu não sei explicar. E eu fiquei com raiva porque ele sempre me ignora porque ele não devia me ignorar, a gente era amigo. Eu gosto pra caramba desse desgraçado, mas eu deixei a raiva me dominar e o medo, eu acho.
— Medo de quê?
— De ele me mandar embora.
Doutora Meghan sorriu de leve.
— Está tudo bem ter raiva, — pontuou. — E é completamente normal ter medo da rejeição. Danny obviamente significa muito pra você e ele te magoou muito todas as vezes que você tentou falar com ele. É perfeitamente normal se isolar do jeito que você fez. É uma maneira de se proteger de ser magoado de novo. O que nós podemos fazer é entender o que aconteceu com você, sobre se isolar e tentar não se envolver mais, e o que nós queremos fazer sobre isso.
— Eu quero tentar de novo — respondi, sem nem pestanejar. — Quero tentar mais. Quero quebrar a porra da parede que ele construiu e arrancar ele lá de dentro. Quero meu amigo de volta. Dói muito mais ficar sem ele do que levar algumas portas na cara.
Chorei de novo. Dessa vez teve até alguns soluços.
Doutora Meghan aguardou pacientemente enquanto eu arrancava lencinhos da caixinha que ela me deu, como uma criança melequenta.
— Está tudo bem, — ela sorriu. — Quero que você entenda que é perfeitamente normal se sentir magoado, desejar a amizade de volta e também é normal sentir raiva quando as coisas não forem do jeito que você pensou — ela bateu no seu caderninho algumas vezes. — E que podem ter coisas, na jornada daqui pra frente, em que você sinta raiva, que queira desistir, que ache que não vale a pena passar por isso. Mas tenta lembrar desse sentimento — ela apontou pra mim. — Desse agora. Do quando você sente falta do seu amigo e do quanto você está disposto a fazer por ele. Para Dougie era qualquer coisa. O que você tem para fornecer para Danny?
Cada pedacinho da minha confiança, que não era pouca.
— E para Tom? — ela acenou. — Ainda não falamos dele.
— Tom e eu conversamos essa semana — pontuei. — Foi legal. A gente conversou sobre a e ele foi… Ele se abriu pra mim de novo. Não pareceu estranho, sabe? Foi bom, sentar com meu amigo, conversar e fazer planos pro futuro.
— Isso é ótimo, — ela elogiou. — Um grande passo. Que planos vocês fizeram?
— Eu convidei ele pra correr comigo. Ele não vai, eu tenho certeza, mas mesmo assim — dei de ombros. — Mas falamos sobre repetirmos a conversa qualquer outro dia. E eu acho que ele também gostou.
— Você parece mais leve quando fala do Tom, mais do que com os outros dois — pontuou.
Acenei com a cabeça. Finalmente deixei a caixinha de lenços de lado.
— Tom e eu sempre tivemos uma relação mais… Sensata — dei de ombros. — A gente brigou muito no começo da banda, algumas brigas foram feias, mas a gente sentava pra conversar depois e ficava tudo bem. Sempre tivemos essas conversas sobre a vida, o significado das coisas, responsabilidades e tal… Somos muito diferentes, temos gostos diferentes e histórias de vida muito diferentes, mas a gente sempre respeitou isso um no outro, pelo menos na maior parte do tempo, mas acho que é logo aí que a mágica acontece — alguns momentos com Tom passaram na minha cabeça e me peguei sorrindo. — A gente se encontra em alguns pontos. Acho que no trabalho com a música, principalmente, na responsabilidade com a banda e na forma com que lidamos com isso. E o fato da gente ser tão diferente faz com que os conselhos do Tom sejam muito valiosos pra mim porque ele sempre vê as coisas de um ponto de vista completamente diferente. Acho que… Acho que me sinto até mesmo um pouco perdido sem esses conselhos. Tom é muito especial pra mim e mesmo que a gente não tenha ficado em completo silêncio nos últimos anos, eu senti falta disso. De sentar pra conversar da vida e rir um da cara do outro por nenhum motivo. Foi bom ter um pedacinho disso de volta e sentir que ele também estava aberto pra isso. Me sinto até um pouco idiota de não ter tentado isso antes, mas acho que eu… Sei lá. Não queria incomodar o Tom com minhas coisas, então eu só deixei ele em paz. Então pelo menos pra isso serviu essa coisa toda com a , me deu uma desculpa boa o suficiente pra tentar de novo com o Tom e talvez a gente consiga fazer disso uma coisa de novo.
A doutora estava acenando positivamente durante todo o meu discurso, parecendo contente com a minha explicação.
— Parece que você está recuperando seus amigos, — ela disse. — Está se esforçando e evoluiu rápido com Tom e Dougie e de uma maneira até madura, de saber que vai ser aos poucos, embora me preocupe essa questão que você tem de se sentir responsável por Dougie e parece que por Danny também. A gente está com o tempo no final e não falamos do seu trabalho de casa, mas você falou tanto sobre cada um dos seus amigos e como se sente sobre eles, que acho que posso deixar passar — respirei aliviado porque depois de Anni ter chegado na minha casa, nem me lembrei do que tinha que escrever para levar na consulta —, então quero só te dizer uma coisa importante: uma relação é como um cabo de guerra. Duas pessoas podem puxar a corda para o mesmo lado e isso é um fluxo muito bom, mas existem momentos em que cada um está de um lado, fazendo força contrária e é preciso se esforçar pra trazer a outra pessoa pra você ou deixar que ela te puxe de volta, se você quiser, se isso for te fazer bem. Só que a partir do momento em que a pessoa larga a corda, não é responsabilidade sua. Se Danny largou a corda, não foi culpa sua, foi escolha dele. Ele pelo menos não está fazendo força contrária, vê? Tudo o que você precisa fazer é mostrar pra ele que a corda ainda é algo importante e que vocês podem puxar ela junto de novo.
Conseguia imaginar a banda como uma corda, agora. Dougie fez força contrária por um tempo, quando estava mal, mas sentia que ele já estava ali de volta, atrás de mim, pronto para puxar. Tom esteve por perto também, meio que supervisionando, porque sentia que ele nunca tinha ido muito longe. Agora Tom estava tomando o lugar à frente, mas só com uma mão ainda. Meio em dúvida se deveria fazer força.
Havia um buraco entre Tom e eu. No lugar que Danny costumava estar.
Danny largou a corda fazia muito tempo e saiu andando como o belo temperamental cabeça de vento que era, mas ainda conseguia vê-lo batendo os pés no horizonte. Estava longe, mas ainda estava lá.
Eu só precisava gritar alto o suficiente para que ele me escutasse.
So I’m thinkin’ ‘bout you never leaving
Dez anos antes.
Nós não descemos do ônibus no Soho. Não foi nem perto, na verdade. avistou uma barraquinha de cachorro quente e ficou imediatamente com fome e convencida de que aquela deveria ser nossa refeição.
Eu era ótimo em dizer não, mas quando olhou nos meus olhos e disse “por favor, vamos!”, desaprendi. Apenas acenei com a cabeça, senti sua mão envolver a minha e me puxar para fora do ônibus e senti como se estivesse flutuando.
Meu cérebro reiniciou e a frase “você precisa transar com ela” começou a soar mais como “você não pode deixar essa garota escapar, então case com ela”. Achei um pouco exagerado, mas a cada segundo mais em que olhava pra , mais certeza tinha que era ela.
Meu pai me disse que eu ia saber quando conhecesse “A Garota” e que eu poderia me divertir até lá. Depois disso, era pra sossegar e respeitar. “Como eu identifico quem é A Garota?” perguntei. “Você vai saber”. Na época achei bobagem. Agora eu começava a sentir certeza.
E aquele breve momento em que estive flutuando ao redor da barraquinha de cachorro quente, vendo se enrolar pra comer, pensando nos meus botões e como eu faria pra não deixar ela escapar de mim, fui descuidado.
Devia ter olhado ao redor e identificado que era uma zona arriscada pra parar. Muito movimentada, com vários adolescentes e celulares.
Eu mal tinha comido metade do meu cachorro quente quando percebi que estavam nos filmando.
— — chamei. Ela virou pra me olhar e estava com a boca suja de maionese, então me distraí por três segundos, rindo. — Espera. Deixa eu limpar você.
Passei o dedo pelo canto da boca dela, que passou a mão no exato lugar alguns minutos antes, checando se o dedo estava sujo.
— Saiu? — perguntou.
Um grupo de adolescentes estava se aproximando um pouco rápido demais. Levantei o olhar brevemente, concordando com a cabeça. Tinha pelo menos uns cinco celulares apontados pra gente.
— Precisamos sair daqui — eu lhe disse, segurando sua mão. — Agora.
Assim que comecei a puxar pela mão para longe dali, o grupo correu.
Atrás da gente.
E eu senti que não tinha escolha a não ser correr também.
Dias atuais
O gato começou a se esfregar na minha perna assim que tranquei a porta de casa, mas tentei ignorá-lo e não foi assim tão difícil, já que o cheiro da comida estava impregnado em todos os cômodos que passei até chegar na cozinha.
Parei no batente, vendo se curvar, abanando a boca. Parecia ter acabado de provar comida quente. Ela me notou e riu. Tossiu levemente e se virou de costas, pegando um pouco de água na torneira.
— Tudo bem? — perguntou, assim que tomou um gole da água.
Meneei a cabeça. Não estava assim tão bem. A terapia tinha me cansado emocionalmente e eu ainda não sabia o que iria fazer sobre Danny.
— Sinto que fui atropelado por 3 caminhões — confessei.
voltou às panelas e girou os botões, apagando o fogo. Eu sentei na bancada e me curvei, cansado. Ela apoiou os braços em frente à mim e se curvou para frente.
Nossos rostos estavam super próximos e eu mal me lembrava a última vez que isso aconteceu. Comecei a me sentir rodopiando para baixo como se estivesse em uma manobra aérea em que o piloto perdeu o controle.
Ela apoiou o queixo na mão e virou a cabeça levemente para o lado, sem perceber a confusão que fazia comigo.
— Terapia é assim mesmo — murmurou. — As vezes a gente se sente nas nuvens, mas as vezes é como se tivessem enterrado a gente vivo.
Levantei o olhar pra ela, cerrando os olhos, e tentei analisar o que ela queria.
— Você está me gravando? — perguntei.
— Não. Quando estiver gravando, vou te avisar — ela ergueu o corpo, revirando os olhos. — Só tentei ser legal.
— Por quê? — indaguei. — Por que quer ser legal comigo? Você não me odeia?
— Eu não te o… — ela travou o que ia dizer, pegando um pano de prato e jogando sobre os ombros. — Ok. Talvez só um pouquinho.
— Eu não entendo você — resmuguei. — Não sei o que você quer. Uma hora você vem toda legal comigo, parece que tá fingindo que quer ser minha amiga, na outra só falta me empurrar na frente de um carro. Eu não tô conseguindo entender.
— Não pensa que é fácil pra mim também não, ok? — ela agora tinha uma colher de pau na mão e apontava pra mim como se fosse uma arma. — Eu criei uma imagem sua na minha cabeça depois do que aconteceu, Mitchell. Você era o bicho papão das minhas histórias e o culpado por tudo de ruim que aconteceu comigo. Foi como eu lidei com tudo, tá? Aí eu chego aqui e… Você não parece com o que eu pensei de você. Você não acha divertido o que aconteceu comigo e parece se sentir realmente culpado por tudo. Você não faz chacota das coisas ruins e parece se preocupar de verdade com seus amigos. E o Freddy gosta de você.
— Quem é Freddy?
— O Freddy — ela apontou pro gato, que estava sentado na amurada da janela da cozinha, balançando o rabo e observando o jardim, como se não fosse o assunto do momento. — É o melhor detector de filhos da puta do mundo. E ele gosta de você. Então, Mitchell, perdão pela confusão. É que as vezes você é meu maior pesadelo, mas as vezes você só é um cara que eu tô tentando entender.
Certo.
Isso fazia muito sentido, na realidade.
— Então você não está planejando meu assassinato? — perguntei. — Ou colocando seu plano de vingança de dez anos em prática?
Ela riu daquele jeito. Do jeito que acelerava minhas batidas cardíacas e me dava a ideia errada do que deveria fazer com ela.
— Na maior parte do tempo, não — sorriu. — Se eu pudesse escolher, preferia continuar com a versão da minha cabeça, te odiando — ela soltou o ar e estendeu a mão à frente do corpo, movendo-a para o lado. — Porque isso aqui é uma bela bagunça.
Deixei meus ombros caírem. Andei sendo um cuzão com ela e, no geral, ela estava tão confusa quanto eu.
— Vou tentar ter isso em mente — prometi. — Porque é meio estranho quando você… Me pergunta as coisas — torci a boca. — Eu tenho certeza que é pra usar contra mim depois.
Ela riu. Com a colher de pau, começou a servir a comida em um prato.
— Você conseguiu piorar muito as coisas agora — ela reclamou. — Era só você ter se aberto um pouco, falado um pouco, a gente ia levar isso de boas. Agora… Agora eu tô presa aqui.
Era tão ruim assim ter ela presa ali na minha casa?
Olhei pra ela. Linda. Ainda mais linda do que quando a conheci. Na época, tive certeza que ela era perfeita pra mim. Que levaria ela pra todos os lugares mais legais da Terra até ela perceber que eu era o cara perfeito pra ela também. Nessa altura da minha vida, eu já deveria estar casado e com uns dois filhos com ela, pelo menos.
Mas tudo deu errado no meio do caminho.
— Teria sido mais fácil pra eu falar se fosse outra pessoa — desabafei. — Eu tive certeza que era pra foder a minha vida.
Os olhos de me deixavam desconcertado. Derretiam meu cérebro e, ao mesmo tempo, me deixavam alerta. Eu sabia que ela era capaz de tudo e isso era um problema grande quando tínhamos uma história tão conturbada.
— Eu não quero foder a sua vida, — ela deu de ombros. — As coisas ficaram uma merda pra mim e você não me ajudou quando podia, mas eu acho que você teve o que mereceu. Acho que ainda está tendo — terminou de servir o prato e estendeu ele pra mim, me surpreendendo. — Sabe? Justiça poética. Você não me ajudou, e perdeu todo o seu apoio.
Doeu ouvir aquilo, principalmente porque ela tinha razão. As coisas começaram a dar errado com o McFLY depois disso. Lançamos um álbum que não fazia muito sentido pra gente, a crítica foi pesada e nossos fãs odiaram, então não tivemos tanto apoio. Começamos a brigar, nossa criatividade musical desandou, só pensávamos em números. Tom ficou obcecado em escrever hinos, Danny perdeu a mão das festas e Dougie começou a usar coisas.
Tudo ruiu.
— Não tem veneno, tem? — perguntei da comida, mudando de assunto.
apenas sorriu de lado. Ela sabia que tinha me furado com a ponta da sua espada. Sem dizer uma palavra, curvou-se sobre a bancada, tirou o garfo da minha mão, dei uma garfada no ensopado e enfiou na boca. Com o nariz quase encostado no meu, mastigou demoradamente, encarando meus olhos.
Porra.
Só voltei a respirar quando ela saiu de perto, voltando a se servir.
Dei a primeira garfada e mesmo estranhando a disposição da comida, achei delicioso. terminou de se servir em silêncio e puxou uma cadeira pra se sentar em frente a mim, ao lado do fogão.
Freddy desceu da janela e foi até o cantinho, onde estava sua comida. Comecei a ouvir o barulho de croccroc enquanto ele mastigava.
— Por que você aceitou? — perguntei. parou de soprar a comida em seu garfo para me encarar. — Vir me entrevistar? Quero dizer, uma entrevista teria sido rápida, mas isso é um acompanhamento…
passou a língua por dentro da bochecha e deixou o garfo cair de volta ao prato.
— Porque eu precisei — falou. — Não tanto pela grana, mesmo que seja um bom bocado a mais do que eu ganho, mas pela oportunidade. Eu tô presa no The Sun há anos fazendo uma coisa que eu odeio com pessoas que odeio por conta de uma coisa ridícula do passado — estava séria e parte do seu brilho sumiu enquanto ela falava. — Preciso disso. A ITV me contratou como temporária em parceria com o The Sun pra isso. Porque eles me querem especificamente com você pra ter mídia, pra desenterrarem aquilo, pra que as pessoas prestem atenção. Isso é bom pra todo mundo, sabe? Um pouco chato pra mim remexerem, mas se eu fizer as coisas direito, talvez a ITV goste do meu trabalho e me tire daquele buraco que me enfiaram. Talvez eu possa finalmente crescer na carreira e parar de fazer com os outros o que fizeram comigo.
Me deu um certo alívio em saber que a motivação dela era completamente diferente de vingança, mas também acendeu uma luz de alerta no meu cérebro: o que ela estaria disposta a fazer comigo e meus amigos em prol desse crescimento profissional de que tanto ela desejava?
— Faz mais sentido que a vingança — concordei.
Ela soltou uma risadinha baixa enquanto voltava a tentar comer.
— Será que eu consigo te fazer falar agora? — perguntou.
O alerta piscou ainda mais forte e em vermelho. Ela podia estar me enganando só pra conseguir que eu contasse coisas que ela pudesse escrever.
Eu não ia baixar a guarda, não. Mas estava disposto a jogar o jogo.
E se eu fizesse direito, talvez ainda tivesse uma chance.
Uma chance de convencer ela que eu era o cara perfeito pra ela.
Seria mais difícil agora? Sim.
Impossível?
Nada era impossível para Mitchell.
The rest is background noise
22 de agosto de 2009.
— Despistamos elas?
estava encolhida em um beco, a mão nas costas na altura da cintura, respirando ruidosamente. Seus pés estavam descalços porque, em algum momento, se livrou dos saltos e eu nem sabia por onde estava os sapatos dela.
— Acho que sim — respondi.
respirou aliviada e escorregou até sentar em uma caixa de madeira velha. Estava fazendo careta e fiquei com medo das minhas fãs terem assustado ela. Amanhã, quando ligasse pra ela, talvez ela se lembrasse de como se sentiu nesse momento e não me atendesse.
Eu precisava virar o jogo.
— Você ainda quer ir pro Soho? — perguntei.
franziu o rosto ainda mais, tentando controlar a respiração. Olhou de um lado para o outro no beco escuro e se pôs de pé, limpando o vestido.
— Você sabe onde a gente tá?
Fodeu.
Não fazia ideia.
— Posso ligar pra alguém vir buscar a gente… — sugeri.
Ela acenou como se não se importasse.
— Não, tudo bem — deu de ombros. — Eu só perdi meus sapatos e não queria sair andando sem rumo.
— Posso te dar o meu tênis — ofereci.
Ela colocou o pé ao lado do meu e soltou uma gargalhada ao ver a diferença de tamanho.
— Não vai dar certo — alegou.
— A meia, então? — sugeriu.
Aceitou.
Não era como o príncipe da Cinderella, mas foi divertido colocar minhas meias em seus lindos pés enquanto ela estava sentada em uma caixa suja em um beco escuro. Era o tipo de história que poderíamos contar para os nossos netos.
Certo?
17 de junho de 2019
We’ll leave ‘em in the dust
23 de agosto de 2009
— Que sorte a nossa! — saiu dançando na frente, entrando no primeiro bar que esbarramos. Talvez estivessemos no Soho mesmo, eu não saberia dizer.
A filha da puta chamava a atenção, foi só se debruçar no balcão que já tinha um grupo de homens acenando em direção a ela para mostrar aos amigos. Pois eu parei bem ao seu lado e coloquei a mão em sua cintura.
Eu vi primeiro, otários.
Pensando em retrospecto, fiz muitas burrices naquela noite. Estar com me fez esquecer que eu era uma pessoa pública e que talvez as pessoas me reconhecessem. Não liguei em nenhum momento pra isso e talvez devesse ter pensado porque merecia ser um segredo meu, não o caos que foi.
Mas ali, naquele bar, eu só queria ficar com ela, curtir a noite, conversar e conhecer mais dela. Então, sentados no bar, cada um com sua bebida, conversamos por longos minutos. Por um pequeno comentário meu sobre meu irmão, começamos a falar de família e me contou sua história:
— Sou a mais velha de cinco filhos — ela contou. — Tenho quatro irmãos mais novos, três homens e uma caçulinha que só tem 7. A gente mora em favela, meu pai deixou a gente há alguns anos e eu quase parei de estudar pra ajudar minha mãe, mas ela não deixou. Disse que eu era inteligente demais pra perder minhas chances daquela forma, então eu comecei a levar comida pra vender na escola pra arrecadar uma graninha, mas estudei muito. E eu fazia um curso de inglês grátis em uma faculdade que era perto de casa. Minha professora me falou sobre essas bolsas pra Westminster e eu me inscrevi. Me escolheram. Eu recebo uma ajuda de custo, mas também trabalho algumas vezes por semana perto do campus, pra poder mandar pra minha mãe, aí ela consegue manter meus irmãos na escola também.
Foi como levar um soco no estômago. parecia curtir tanto a vida, parecia não ter nenhum problema no mundo. Senti que eu reclamava muito de bobeira.
Tive vontade de assinar um cheque naquela hora pra ela não precisar trabalhar pra ajudar a mãe, mas uma garota independente como aquela? Se ofenderia.
Em alguns meses, depois que ela me apresentasse para sua mãe e seus irmãos, eu poderia oferecer ajuda. Até lá, ela segurava a barra. Estava segurando até ali e sem fraquejar no sorriso.
Eu estava tão encantado por ela e pela sua história que ignorei a vontade de ir no banheiro, apenas apoiando meu rosto na mão fechada e sorrindo enquanto a ouvia falar cada vez mais sobre sua vida e seus colegas de faculdade.
18 de junho de 2019
Eu fiz papel de otário.
Fiquei lá, na mesa do Tom, bebendo à noite toda em homenagem a mais uma vez em que fez de mim gato e sapato. Tive vislumbres dela a noite toda, ela aparecia, falava com Gabs e Tom, até mesmo comigo, mas não lhe dei atenção mais. Parte porque conseguia ver que ela estava completamente bêbada, mas parte de mim não conseguia lidar com a presença dela naquele momento.
Já tinha passado das duas da manhã quando comecei a perceber movimentações dos funcionários do local, planejando o fechamento. Então achei que já estava na hora de encerrar.
— Vou lá chamar a pra gente ir pra casa — anunciei pro casal à minha frente.
— Ué? — Gabs respondeu. — A já foi tem tempo.
— Como assim? Achei que a gente ia junto.
Ela apenas deu de ombros.
— Ela faz isso as vezes.
Então eu fui embora sozinho. Achei que ia ficar bem, pois ela tinha feito uma cópia não autorizada da minha chave, então conseguiria entrar.
Mas ela não estava no sofá da sala de estar quando eu cheguei. Também não estava no banheiro comum ou em um dos três quartos extras.
E não estava no meu quarto, pelada na minha cama – e essa era uma possibilidade em que minha mente trabalhou o caminho da boate até em casa, mas infelizmente era apenas a minha imaginação.
Então eu me peguei sentado no sofá da sala de estar, bem onde dormia, e o gato surgiu, deitando nas minhas pernas, exigindo atenção.
— Onde será que sua mãe se meteu, ein, gato? — perguntei a ele. — Você está preocupado? — o gato miou e eu tive certeza que era uma resposta. — Eu também. Posso te contar uma coisa? Acho que ela me deu um bolo. Será que ela me deu um bolo? — ele miou novamente. — Pois é.
Fiquei ali na sala, meio bêbado, acordado e esperando . Fiquei preocupado pelos primeiros minutos, mas conforme o tempo foi passando, comecei a me irritar, porque ficou claro que ela não tinha se perdido ou estava demorando: com certeza tinha encontrado com algum outro cara na pista e estava com ele.
E não comigo.
A raiva me manteve acordado por algumas horas, mas acabei desmaiando de exaustão um pouco antes do sol nascer.
Acordei com o barulho com um xingamento de e me levantei do sofá em pulo, sem perceber que o gato ainda estava no meu colo e caiu no chão, reclamando de mim.
— Onde você estava? — perguntei para imediatamente.
Ela estava na porta da sala com um óculos escuros e a boca franzida em uma careta. Tinha também uma bolsa grande que não estava com ela na festa.
— Eu sou novela por acaso? — respondeu.
O que ela queria dizer com isso?
— Eu fiquei preocupado! Fui te procurar pra vir pra casa e não te achei.
— Sinto muito? — ela levantou os óculos escuros, colocando no topo da cabeça e apertando os olhos em minha direção. Sentou no sofá e pegou o gato no colo, esfregando o nariz no focinho dele.
— Você dormiu aonde?
— Não é da sua conta!
— Como não é da minha conta? — reclamei, aumentando o tom de voz. — A gente estava de boa. A gente… A gente teve um lance.
— Um lance? — ela debochou.
Como eu dizia pra ela que era cruel ela ter coragem de ficar com outro cara quando minha cabeça só conseguia pensar nela e no que eu queria fazer com aquele corpo?
— Você sabe do que eu estou falando!
— Eu não sei, , por que não me conta?
— Você estava com outro cara, é isso? — questionei.
— Não. É. Da sua. Conta. — cada palavra desenhada em pausas dramáticas.
— Ah, quer saber? Vá se foder você também, viu? — resmunguei. — Fiquei aqui igual um otário te esperando, preocupado com você e você…
— Preocupado ou com o orgulho ferido? — ela riu.
— Foda-se! Eu não…
A campainha tocou naquele momento, me interrompendo. se levantou em um pulo.
— É o meu presente! — Ela se levantou rápido e o gato escorregou para o sofá, resmungando.
Quis correr atrás dela pra falar que ela não tinha mais presente nenhum porque eu não queria mais dar presente pra ela, mas deixei pra lá.
O meu deixar pra lá durou menos de um minuto e eu fui atrás dela. Passou na minha cabeça que talvez o cara com quem ela passou a noite estivesse tocando a campainha pra devolver algo que ela esqueceu.
— Que demora é ess… Danny?!?!?!
Puta que pariu, ela tinha transado com o Danny?
Danny parecia estar cuspindo fogo.
— Então você está do lado de lá agora? — Ein? Eu não estava entendendo nada. Eles tinham transado ou não? — Aposto que tem gostado muito mais dela do que de mim!
Definitivamente tinham dormido juntos.
E ele estava com ciúmes de comigo.
E eu estava prestes a dar um soco na cara de Danny pela audácia.
Ele era cabeça de vento, mas deveria se lembrar. Deveria saber. A gente costumava ser melhores amigos e melhores amigos não transam com a garota do outro, exceto em ocasiões especiais e com autorizações prévias.
— Eu só escrevi duas vezes sobre você, Jones, não se ache tão importante assim — reclamou. — É o meu trabalho, eu fui obrigada. Escrever sobre você foi um tédio.
Ahn?
Agora mesmo eu não estava entendendo nada.
— Do que vocês estão falando? — Indaguei. revirou os olhos e deu de ombros, também sem entender. Ué? Então eles não estavam juntos? — O que você quer, Danny?
Agora que eu estava começando a aceitar que jamais me trocaria pelo pamonha do Danny, conseguia enxergar que ele estava espumando de ódio por um motivo desconhecido.
— Eu tô perdendo o meu tempo, não sei porquê que eu vim aqui! — ele rugiu. — Já que você se acha bom demais pra falar comigo e me contar as merdas que aconteceram!
— É o quê? — Quase xinguei. Eu estava sempre tentando falar com aquele filho da puta e ele sempre me ignorava.
— O Dougie! Vocês não me contaram do Dougie!
Porra.
A gente tentou contar, mas Danny era impossível. Depois da bronca da Dra. Hilton, eu até achava que poderíamos ter feito um pouco mais, mas Danny não facilitava.
Porém Dougie era um assunto delicado e Danny estava gritando a plenos pulmões no meio da rua.
— Entra, DJ — pedi. — Não vou te deixar fazer uma cena aqui, não.
— Eu não vou a lugar algum com você! — ele gritou. Comecei a olhar na rua se tinha alguém observando e estava voltando a ficar com raiva de Danny porque não tinha sangue de barata, não. — Eu só queria te dizer que você é um grande filho da puta salafrário que me disse um monte de mentiras sobre amizade e honra e quando foi a sua vez de provar isso, me excluiu de tudo! Como teve coragem de me esconder o que está acontecendo com o Dougie?
Eu estava soltando fumaça pelos meus ouvidos.
— Acho que isso muito pessoal — soprou. — Vou esperar la dentro, caso precisem de mim — ela passou por mim e um leve revalar de seus dedos correu de meu antebraço, até enlaçar levemente em meus dedos. Ela sorriu de lado e de leve, simpática ao meu problema, antes de entrar, resmungando: — Será que esses dois tiraram o dia para gritar com essa pobre moça de ressaca?
Eu teria tempo pra lidar com depois.
— Quem te contou? — sussurrei.
— Não foi você. Nem o Fletcher.
— Rachel, então?
Ele ficou vermelho que nem uma cabine telefônica e achei que sua cabeça iria explodir a qualquer momento por não aguentar a pressão.
— Não! — xingou meia dúzia de palavrões em sequência. — Eu descobri por causa de um boato de internet enquanto vocês deveriam ter me contado!
Olhei pra onde tinha ido. Ela disse que boatos sobre Dougie já estavam vazando, mas nada tinha saído desde que escorreguei a informação de que ele estava em uma reabilitação e pedi para que ela não mexesse nisso. Era uma informação em off, dada de boa graça e com confiança da minha parte.
Ela estava jogando sujo, então? Com Dougie?
— Nós tentamos, Danny! — eu não sabia mais com quem estava mais puto. — Mandamos mensagem, ligamos, tentei falar com você na rua várias vezes, mas você sempre virava a cara. Eu te liguei trocentas vezes semana passada e você também não me atendeu! Não dá pra conversar com alguém que não quer.
— Mas ninguém me contou que ele estava ass…
— Cala a boca! — rugi. — Ninguém sabe disso!
— Foda-se? Você deveria ter me contado!
— O que você queria que eu fizesse, Danny? Que eu fosse na sua casa pra você bater a porta na minha cara?
— Eu nunca faria isso! — ele pareceu ofendido com a especulação, que era óbvio que seria o que ele faria.
— Ah, claro! — debochei. — Da mesma forma que atendeu todas as minhas ligações, respondeu minhas mensagens… Vai ver que o fato de eu ter ficado 20 minutos tocando sua campainha semana passada foi uma ilusão da minha mente insana porque Danny Jones jamais faria isso!
— Do que você está falando? — ele se fez de desentendido.
— Você está cobrando atitudes que você não tem, Danny — falei, sério, amassando a ponta do dedo no peito dele, furioso. — Você que deveria agir, mas só se esconde de nós e ninguém consegue resolver nada porque Danny está sempre evitando a gente! Você acha que foi o único magoado com essa merda toda porque é um egoísta do caralho que não consegue enxergar um palmo do que tá na sua frente! Tá todo mundo na merda, cara! Todo mundo tentando sobreviver. Mas ao contrário de você, Tom, Dougie e eu somos educados e nos falamos de tempos em tempos. Você foi o que mais se afastou e se fechou, então nenhum de nós tem culpa se você esqueceu que a gente era amigo porque era conveniente pra você. E, sabe que mais? Eu sei que Dougie tentou falar com você porque eu tentei e tenho certeza que Tom deve ter tentado ainda mais. Então que tal você parar de culpar os outros pelos seus próprios erros? — Eu estava arfando de raiva quando terminei. — Agora some daqui antes que eu esqueça a consideração que eu tenho por você e te dê o soco que quero dar desde que te vi na minha frente, gritando asneiras.
Bati a porta e entrei.
Jurei pra mim que se Danny tocasse a campainha novamente, eu ia deixar ele lá plantado igual eu fiquei em sua casa, mas ele não tocou. Então eu tinha que focar minha raiva em alguma coisa e estava lá, deitada no meu sofá, o braço sobre os olhos e um gato deitado em cima de sua barriga.
— Você vazou que Dougie está na reabilitação? — perguntei, com raiva.
destampou só um dos olhos pra me encarar.
— Eu atualmente estou apenas no projeto do documentário — alegou. — Não estou vazando fofocas.
— Mas ninguém sabia nada até eu falar pra você!
— Eu já tinha especulações na minha mesa quando você me contou, mas as minhas fontes são as melhores — ela voltou a tampar o olho. — Era só questão de tempo pra vazar.
— Você pode simplesmente estar mentindo pra mim e ter dado a informação pra outra pessoa escrever — acusei.
se sentou e o movimento abrupto me assustou, então andei alguns passos para trás, tropecei em um dos sapatos dela e acabei sentado no outro sofá.
— Eu disse que estávamos conversando em off e em off significa que só quero saber informações porque sou curiosa e fofoqueira — respondeu. — Talvez você não saiba que as pessoas tem honra, mas eu tenho. Se disse que não iria escrever é porque não vou. Se disse que não vou divulgar é porque não vou. Eu evito escrever sobre drogas e nunca escrevo sobre reabilitações. Esse é o meu limite pra não vender a minha alma que o The Sun usou até o cheque especial por causa do buraco que você me enfiou. Mas duvido que você tenha a capacidade de entender o que é caráter e palavra!
Ela se levantou e saiu batendo os pés para o banheiro. O gato, que foi derrubado do colo pela terceira vez seguida, juntou o que sobrou de sua dignidade em um miado alto e sofrido e foi embora para andar pela casa.
Eu fiquei um tempo ali, refletindo as palavras de e Danny. Depois de um tempo, segui para o meu quarto e, quando passei pelo banheiro comum, achei que escutei gemidos e fungadas.
Mas não era possível, não.
Aquela diaba não chorava.
We’ll leave ‘em in the dust
23 de agosto de 2009
— Que sorte a nossa! — saiu dançando na frente, entrando no primeiro bar que esbarramos. Talvez estivessemos no Soho mesmo, eu não saberia dizer.
A filha da puta chamava a atenção, foi só se debruçar no balcão que já tinha um grupo de homens acenando em direção a ela para mostrar aos amigos. Pois eu parei bem ao seu lado e coloquei a mão em sua cintura.
Eu vi primeiro, otários.
Pensando em retrospecto, fiz muitas burrices naquela noite. Estar com me fez esquecer que eu era uma pessoa pública e que talvez as pessoas me reconhecessem. Não liguei em nenhum momento pra isso e talvez devesse ter pensado porque merecia ser um segredo meu, não o caos que foi.
Mas ali, naquele bar, eu só queria ficar com ela, curtir a noite, conversar e conhecer mais dela. Então, sentados no bar, cada um com sua bebida, conversamos por longos minutos. Por um pequeno comentário meu sobre meu irmão, começamos a falar de família e me contou sua história:
— Sou a mais velha de cinco filhos — ela contou. — Tenho quatro irmãos mais novos, três homens e uma caçulinha que só tem 7. A gente mora em favela, meu pai deixou a gente há alguns anos e eu quase parei de estudar pra ajudar minha mãe, mas ela não deixou. Disse que eu era inteligente demais pra perder minhas chances daquela forma, então eu comecei a levar comida pra vender na escola pra arrecadar uma graninha, mas estudei muito. E eu fazia um curso de inglês grátis em uma faculdade que era perto de casa. Minha professora me falou sobre essas bolsas pra Westminster e eu me inscrevi. Me escolheram. Eu recebo uma ajuda de custo, mas também trabalho algumas vezes por semana perto do campus, pra poder mandar pra minha mãe, aí ela consegue manter meus irmãos na escola também.
Foi como levar um soco no estômago. parecia curtir tanto a vida, parecia não ter nenhum problema no mundo. Senti que eu reclamava muito de bobeira.
Tive vontade de assinar um cheque naquela hora pra ela não precisar trabalhar pra ajudar a mãe, mas uma garota independente como aquela? Se ofenderia.
Em alguns meses, depois que ela me apresentasse para sua mãe e seus irmãos, eu poderia oferecer ajuda. Até lá, ela segurava a barra. Estava segurando até ali e sem fraquejar no sorriso.
Eu estava tão encantado por ela e pela sua história que ignorei a vontade de ir no banheiro, apenas apoiando meu rosto na mão fechada e sorrindo enquanto a ouvia falar cada vez mais sobre sua vida e seus colegas de faculdade.
18 de junho de 2019
Eu fiz papel de otário.
Fiquei lá, na mesa do Tom, bebendo à noite toda em homenagem a mais uma vez em que fez de mim gato e sapato. Tive vislumbres dela a noite toda, ela aparecia, falava com Gabs e Tom, até mesmo comigo, mas não lhe dei atenção mais. Parte porque conseguia ver que ela estava completamente bêbada, mas parte de mim não conseguia lidar com a presença dela naquele momento.
Já tinha passado das duas da manhã quando comecei a perceber movimentações dos funcionários do local, planejando o fechamento. Então achei que já estava na hora de encerrar.
— Vou lá chamar a pra gente ir pra casa — anunciei pro casal à minha frente.
— Ué? — Gabs respondeu. — A já foi tem tempo.
— Como assim? Achei que a gente ia junto.
Ela apenas deu de ombros.
— Ela faz isso as vezes.
Então eu fui embora sozinho. Achei que ia ficar bem, pois ela tinha feito uma cópia não autorizada da minha chave, então conseguiria entrar.
Mas ela não estava no sofá da sala de estar quando eu cheguei. Também não estava no banheiro comum ou em um dos três quartos extras.
E não estava no meu quarto, pelada na minha cama – e essa era uma possibilidade em que minha mente trabalhou o caminho da boate até em casa, mas infelizmente era apenas a minha imaginação.
Então eu me peguei sentado no sofá da sala de estar, bem onde dormia, e o gato surgiu, deitando nas minhas pernas, exigindo atenção.
— Onde será que sua mãe se meteu, ein, gato? — perguntei a ele. — Você está preocupado? — o gato miou e eu tive certeza que era uma resposta. — Eu também. Posso te contar uma coisa? Acho que ela me deu um bolo. Será que ela me deu um bolo? — ele miou novamente. — Pois é.
Fiquei ali na sala, meio bêbado, acordado e esperando . Fiquei preocupado pelos primeiros minutos, mas conforme o tempo foi passando, comecei a me irritar, porque ficou claro que ela não tinha se perdido ou estava demorando: com certeza tinha encontrado com algum outro cara na pista e estava com ele.
E não comigo.
A raiva me manteve acordado por algumas horas, mas acabei desmaiando de exaustão um pouco antes do sol nascer.
Acordei com o barulho com um xingamento de e me levantei do sofá em pulo, sem perceber que o gato ainda estava no meu colo e caiu no chão, reclamando de mim.
— Onde você estava? — perguntei para imediatamente.
Ela estava na porta da sala com um óculos escuros e a boca franzida em uma careta. Tinha também uma bolsa grande que não estava com ela na festa.
— Eu sou novela por acaso? — respondeu.
O que ela queria dizer com isso?
— Eu fiquei preocupado! Fui te procurar pra vir pra casa e não te achei.
— Sinto muito? — ela levantou os óculos escuros, colocando no topo da cabeça e apertando os olhos em minha direção. Sentou no sofá e pegou o gato no colo, esfregando o nariz no focinho dele.
— Você dormiu aonde?
— Não é da sua conta!
— Como não é da minha conta? — reclamei, aumentando o tom de voz. — A gente estava de boa. A gente… A gente teve um lance.
— Um lance? — ela debochou.
Como eu dizia pra ela que era cruel ela ter coragem de ficar com outro cara quando minha cabeça só conseguia pensar nela e no que eu queria fazer com aquele corpo?
— Você sabe do que eu estou falando!
— Eu não sei, Harry, por que não me conta?
— Você estava com outro cara, é isso? — questionei.
— Não. É. Da sua. Conta. — cada palavra desenhada em pausas dramáticas.
— Ah, quer saber? Vá se foder você também, viu? — resmunguei. — Fiquei aqui igual um otário te esperando, preocupado com você e você…
— Preocupado ou com o orgulho ferido? — ela riu.
— Foda-se! Eu não…
A campainha tocou naquele momento, me interrompendo. se levantou em um pulo.
— É o meu presente! — Ela se levantou rápido e o gato escorregou para o sofá, resmungando.
Quis correr atrás dela pra falar que ela não tinha mais presente nenhum porque eu não queria mais dar presente pra ela, mas deixei pra lá.
O meu deixar pra lá durou menos de um minuto e eu fui atrás dela. Passou na minha cabeça que talvez o cara com quem ela passou a noite estivesse tocando a campainha pra devolver algo que ela esqueceu.
— Que demora é ess… Danny?!?!?!
Puta que pariu, ela tinha transado com o Danny?
Danny parecia estar cuspindo fogo.
— Então você está do lado de lá agora? — Ein? Eu não estava entendendo nada. Eles tinham transado ou não? — Aposto que tem gostado muito mais dela do que de mim!
Definitivamente tinham dormido juntos.
E ele estava com ciúmes de comigo.
E eu estava prestes a dar um soco na cara de Danny pela audácia.
Ele era cabeça de vento, mas deveria se lembrar. Deveria saber. A gente costumava ser melhores amigos e melhores amigos não transam com a garota do outro, exceto em ocasiões especiais e com autorizações prévias.
— Eu só escrevi duas vezes sobre você, Jones, não se ache tão importante assim — reclamou. — É o meu trabalho, eu fui obrigada. Escrever sobre você foi um tédio.
Ahn?
Agora mesmo eu não estava entendendo nada.
— Do que vocês estão falando? — Indaguei. revirou os olhos e deu de ombros, também sem entender. Ué? Então eles não estavam juntos? — O que você quer, Danny?
Agora que eu estava começando a aceitar que jamais me trocaria pelo pamonha do Danny, conseguia enxergar que ele estava espumando de ódio por um motivo desconhecido.
— Eu tô perdendo o meu tempo, não sei porquê que eu vim aqui! — ele rugiu. — Já que você se acha bom demais pra falar comigo e me contar as merdas que aconteceram!
— É o quê? — Quase xinguei. Eu estava sempre tentando falar com aquele filho da puta e ele sempre me ignorava.
— O Dougie! Vocês não me contaram do Dougie!
Porra.
A gente tentou contar, mas Danny era impossível. Depois da bronca da Dra. Hilton, eu até achava que poderíamos ter feito um pouco mais, mas Danny não facilitava.
Porém Dougie era um assunto delicado e Danny estava gritando a plenos pulmões no meio da rua.
— Entra, DJ — pedi. — Não vou te deixar fazer uma cena aqui, não.
— Eu não vou a lugar algum com você! — ele gritou. Comecei a olhar na rua se tinha alguém observando e estava voltando a ficar com raiva de Danny porque não tinha sangue de barata, não. — Eu só queria te dizer que você é um grande filho da puta salafrário que me disse um monte de mentiras sobre amizade e honra e quando foi a sua vez de provar isso, me excluiu de tudo! Como teve coragem de me esconder o que está acontecendo com o Dougie?
Eu estava soltando fumaça pelos meus ouvidos.
— Acho que isso muito pessoal — soprou. — Vou esperar la dentro, caso precisem de mim — ela passou por mim e um leve revalar de seus dedos correu de meu antebraço, até enlaçar levemente em meus dedos. Ela sorriu de lado e de leve, simpática ao meu problema, antes de entrar, resmungando: — Será que esses dois tiraram o dia para gritar com essa pobre moça de ressaca?
Eu teria tempo pra lidar com depois.
— Quem te contou? — sussurrei.
— Não foi você. Nem o Fletcher.
— Rachel, então?
Ele ficou vermelho que nem uma cabine telefônica e achei que sua cabeça iria explodir a qualquer momento por não aguentar a pressão.
— Não! — xingou meia dúzia de palavrões em sequência. — Eu descobri por causa de um boato de internet enquanto vocês deveriam ter me contado!
Olhei pra onde tinha ido. Ela disse que boatos sobre Dougie já estavam vazando, mas nada tinha saído desde que escorreguei a informação de que ele estava em uma reabilitação e pedi para que ela não mexesse nisso. Era uma informação em off, dada de boa graça e com confiança da minha parte.
Ela estava jogando sujo, então? Com Dougie?
— Nós tentamos, Danny! — eu não sabia mais com quem estava mais puto. — Mandamos mensagem, ligamos, tentei falar com você na rua várias vezes, mas você sempre virava a cara. Eu te liguei trocentas vezes semana passada e você também não me atendeu! Não dá pra conversar com alguém que não quer.
— Mas ninguém me contou que ele estava ass…
— Cala a boca! — rugi. — Ninguém sabe disso!
— Foda-se? Você deveria ter me contado!
— O que você queria que eu fizesse, Danny? Que eu fosse na sua casa pra você bater a porta na minha cara?
— Eu nunca faria isso! — ele pareceu ofendido com a especulação, que era óbvio que seria o que ele faria.
— Ah, claro! — debochei. — Da mesma forma que atendeu todas as minhas ligações, respondeu minhas mensagens… Vai ver que o fato de eu ter ficado 20 minutos tocando sua campainha semana passada foi uma ilusão da minha mente insana porque Danny Jones jamais faria isso!
— Do que você está falando? — ele se fez de desentendido.
— Você está cobrando atitudes que você não tem, Danny — falei, sério, amassando a ponta do dedo no peito dele, furioso. — Você que deveria agir, mas só se esconde de nós e ninguém consegue resolver nada porque Danny está sempre evitando a gente! Você acha que foi o único magoado com essa merda toda porque é um egoísta do caralho que não consegue enxergar um palmo do que tá na sua frente! Tá todo mundo na merda, cara! Todo mundo tentando sobreviver. Mas ao contrário de você, Tom, Dougie e eu somos educados e nos falamos de tempos em tempos. Você foi o que mais se afastou e se fechou, então nenhum de nós tem culpa se você esqueceu que a gente era amigo porque era conveniente pra você. E, sabe que mais? Eu sei que Dougie tentou falar com você porque eu tentei e tenho certeza que Tom deve ter tentado ainda mais. Então que tal você parar de culpar os outros pelos seus próprios erros? — Eu estava arfando de raiva quando terminei. — Agora some daqui antes que eu esqueça a consideração que eu tenho por você e te dê o soco que quero dar desde que te vi na minha frente, gritando asneiras.
Bati a porta e entrei.
Jurei pra mim que se Danny tocasse a campainha novamente, eu ia deixar ele lá plantado igual eu fiquei em sua casa, mas ele não tocou. Então eu tinha que focar minha raiva em alguma coisa e estava lá, deitada no meu sofá, o braço sobre os olhos e um gato deitado em cima de sua barriga.
— Você vazou que Dougie está na reabilitação? — perguntei, com raiva.
destampou só um dos olhos pra me encarar.
— Eu atualmente estou apenas no projeto do documentário — alegou. — Não estou vazando fofocas.
— Mas ninguém sabia nada até eu falar pra você!
— Eu já tinha especulações na minha mesa quando você me contou, mas as minhas fontes são as melhores — ela voltou a tampar o olho. — Era só questão de tempo pra vazar.
— Você pode simplesmente estar mentindo pra mim e ter dado a informação pra outra pessoa escrever — acusei.
se sentou e o movimento abrupto me assustou, então andei alguns passos para trás, tropecei em um dos sapatos dela e acabei sentado no outro sofá.
— Eu disse que estávamos conversando em off e em off significa que só quero saber informações porque sou curiosa e fofoqueira — respondeu. — Talvez você não saiba que as pessoas tem honra, mas eu tenho. Se disse que não iria escrever é porque não vou. Se disse que não vou divulgar é porque não vou. Eu evito escrever sobre drogas e nunca escrevo sobre reabilitações. Esse é o meu limite pra não vender a minha alma que o The Sun usou até o cheque especial por causa do buraco que você me enfiou. Mas duvido que você tenha a capacidade de entender o que é caráter e palavra!
Ela se levantou e saiu batendo os pés para o banheiro. O gato, que foi derrubado do colo pela terceira vez seguida, juntou o que sobrou de sua dignidade em um miado alto e sofrido e foi embora para andar pela casa.
Eu fiquei um tempo ali, refletindo as palavras de e Danny. Depois de um tempo, segui para o meu quarto e, quando passei pelo banheiro comum, achei que escutei gemidos e fungadas.
Mas não era possível, não.
Aquela diaba não chorava.
Capitulo 11
Sunset drinking, laid out in the field
23 de agosto de 2009
— Você consegue acreditar naquele cara? — Perguntei à , que estava com os olhos piscando, tentando focar para quem eu estava apontando.
Um homem na pista de dança tinha tirado a blusa e estava rodando no alto de sua cabeça, enquanto fazia a dança mais esquisita possível. pareceu finalmente ver o que estava acontecendo e soltou uma grande gargalhada.
— Eu adorei! — disse, e imediatamente me empurrou seu copo para mim, encaixando suas mãos na barra do vestido.
Larguei o copo de qualquer jeito. Ele se estatelou no chão, mas segurei as mãos de antes que ela antecipasse como eu queria que a noite acabasse… Porque eu não queria dividir a visão com todos aqueles estranhos.
— Quebrou tem que pagar! — Ouvi o barman reclamar, enquanto ainda segurava as mãos de .
— Precisa tirar a roupa para se divertir? — perguntei.
me deu uma olhada que arrepiou todos os pelos do meu corpo, mas principalmente os cabelinhos curtos da parte da nuca. Eu não sabia, mas aquele olhar me perseguiria por vários sonhos molhados nos anos seguintes.
Mas ela finalizou a olhada com um levantar de ombros.
— Tem razão — disse. Apertou minha mão com força e se lançou para cima do balcão.
21 de junho de 2019
Por retaliação, parou de cozinhar refeições para dois. Em nenhum momento dirigiu a palavra a mim para informar isso, apenas fazia questão de congelar qualquer resto de comida de suas refeições e potes cuidadosamente enfeitados com seu nome escrito em uma letra redonda e bem legível, nada que pudesse parecer com “” por acidente.
Mas nos dias que se seguiram, apesar de ser uma dor de cabeça constante em cada pequena esbarrada dentro de casa, se tornou o menor dos meus problemas. Talvez porque eu não quisesse olhar na cara dela e estivesse preferindo passar boa parte dos meus dias fora de casa, mas principalmente por causa do tamanho do problema McFLY nas duas terapias que seguiram à minha discussão com ela.
A primeira, apelidei carinhosamente de “Todos Contra Danny”.
Tudo começou por causa do seu comportamento errante ao saber da internação de Dougie e as consequências do que a visita de Danny causaram no andamento do seu tratamento, mas foi agravado pela falta de comprometimento do guitarrista de se dignar a chegar em um horário adequado para nossas terapias.
Faltavam cinco minutos para Dra. Hilton nos chamar para entrar quando eu bufei de indignação.
— Por que você tá parecendo um cavalo, Mitchell? — Tom me perguntou, encerrando o silêncio que se instalou desde que Dougie entrou na sala, com os olhos um pouco menores e uma expressão desolada.
— Ele não vem — aleguei.
— Ele vem sim — Tom retrucou, depois de tanto tempo ainda se dava o trabalho de tentar defender Danny.
— Ele não vai ter coragem de encarar a gente depois das merdas que ele fez — continuei a reclamar.
— Ele teve coragem de invadir a reabilitação, vai ter coragem de vir até aqui — Dougie murmurou, fraquinho. — Ele não precisa de coragem porque é sem noção.
— Ele fez o quê? — Tom indagou.
— Foi lá na reabilitação gritar com todo mundo porque ninguém contou pra ele que eu estava internado — Dougie revirou os olhos.
— Ele não fez isso — Tom estava chocado.
— Ah, ele… — Eu me interrompi quando a porta abriu e Danny entrou na sala de espera. Tudo o que eu fiz fui fuzilar ele com os olhos.
Chegou apenas poucos segundos antes da Dra. Hilton nos chamar, mal teve tempo de procurar um lugar pra se sentar.
— Bom dia, rapazes! — Meghan estava sempre tentando demonstrar positividade, mas ninguém poderia nos salvar ali. — Vamos começar?
Entramos juntos e o clima era completamente diferente da primeira sessão. Pelo menos pra mim, que estava puto.
Sentei no sofá o mais distante possível de Danny.
— Como foi a terça de vocês? — Meghan tentou.
Cruzei as pernas e ri debochado.
— Que tal o Danny responder? Se a senhora quer saber, a terça dele parece ter sido bem interessante — destilei.
Meghan pareceu relutante quando insistiu na pergunta, como se soubesse o tamanho da bomba que estouraria em seu escritório:
— O que aconteceu?
— Vai, Danny, fala — aticei. — Não é você que gosta de agir por impulso e falar um monte de asneira pras pessoas que não tem nada a ver com as péssimas escolhas que você fez pra sua vida?
Confissão? Eu estava gostando de colocar Danny na parede depois das merdas que ele me fez aturar. Tudo bem que isso provavelmente atrapalharia meu plano de me aproximar dele e salvar ele da própria merda, mas eu também não ia ficar calado não.
Meghan parecia que tinha comido algo estragado.
— O que aconteceu? — ela perguntou.
— Vai, Danny, responde — virei-me de frente pra ele, abrindo meus braços, esticando um pelas costas do sofá. — Aconteceu alguma coisa que a doutora Hilton não sabe?
Danny estava parecendo um cachorro brabo pronto para atacar. Sua boca estava até em formato de rosnado.
— Você que parece que tá querendo falar, Mitchell. Vai lá. Joga as suas pedras já que tá cheia delas na mão — Respondeu, ácido.
— Certo, vamos com calma — Meghan pediu, vendo que a coisa estava andando pro lado errado. — Vamos acalmar os ânimos, não precisamos brigar.
Só tinha um problema na estratégia da doutora Hilton, e era um problema bem simples.
Eu estava querendo brigar. Dougie também parecia prestes a querer socar a cara monga de Danny e Tom estava ficando cada vez mais vermelho, como se estivesse sentado em cima de um fogaréu e fosse entrar em ebulição a qualquer momento.
Não dava mais pra voltar atrás, a briga aconteceria.
— Danny achou uma grande ideia invadir a reabilitação do Dougie, doutora Hilton. E como se não fosse o suficiente, ainda foi na minha casa tirar satisfação!
— Na sua casa? — Dougie e Tom perguntaram ao mesmo tempo.
— Pois é! — retruquei, levantando o tom de voz e adorando que estavam me dando atenção. — Ele se achou no direito de ir me questionar por não ter falado do Dougie, como se ele estivesse disponível pra conversar nesses últimos anos! Fez um escândalo lá na rua!
E deu novas informações pra , com certeza, o que também era um problema.
— Ele também tentou fazer escândalo lá na clínica, mas eu controlei antes de dar merda — Dougie contou.
E tinham mais coisas que Dougie não queria contar, mas que estavam estampadas em sua cara abatida.
— Eu não entendi… — Tom murmurou, quase de fora da confusão que estava se formando. — Por que você foi procurar o , Danny? Eu também sabia.
Ignorei o drama de Tom.
— Você deveria ter vergonha de se comportar como um adolescente inconsequente, Jones! — urrei. — Já passou dos trinta e já deu a hora de se comportar como um adulto!
— Se eu fizer isso, sua namoradinha vai perder o emprego porque não vai ter mais o que escrever e vai acabar igual quando você deixou ela depois daquela merda que você deixou aconte….
— Deixa a fora disso! — gritei e me levantei do sofá.
Juro por Deus, eu ia enfiar um soco na carta de Danny Jones bem naquele momento se a Doutora Hilton não tivesse colocado a mão levemente em meu braço, como um lembrete de que estava ali.
— Vamos conversar com calma — ela pediu e eu tentei me controlar. — Senta, — pediu. Sentei contrariado. Danny ainda merecia um socão. — O que aconteceu? Preciso que me contem com calma e de uma forma que faça sentido, e sem troca de farpas porque isso não é construtivo.
Fiquei em silêncio e cruzei os braços. Se não podia espetar Danny e não podia dar um socão na cara dele, talvez eu não quisesse participar.
— Danny foi até a clínica ontem — Dougie assumiu a liderança falando baixo, controlado, cansado. — Ele meio que… ficou puto por não saber da reabilitação.
Isso pareceu deixar Meghan um pouco surpresa.
— Ele não sabia?
— Não, eu não sabia — o mané estava cheio de razão ainda. — Ninguém se dignou a me contar o que estava acontecendo e eu descobri por foto vazada em coluna de fofoca na internet!
— Você ainda tá dizendo que ninguém se dignou a contar pra você? Eu te mandei trocentas mensagens nos últimos anos, cara — Ih, Dougie tava puto. Danny estava fodido. — Eu te chamei pra conversar várias vezes, mas você ignorou tudo! Te chamei até pra beber. Você leu e achou o quê? Que era normal eu te chamar pra beber? Eu tava na porra da borda de um buraco, implorando por ajuda. Te mandei todos os sinais, porra, você nunca viu!
— Todos nós tentamos falar com você — Tom suspirou.
— Você leu todas as minhas mensagens e nunca respondeu. Todas elas, Danny. Sabe como eu me senti vendo aqueles visualizados e nenhuma resposta? — Dougie estava acabando com ele e eu apostava todas as minhas fichas no baixinho. — E eu mandei mensagens pra você, Danny. Não pro . Não pro Tom. Pra você. Porque achei que você ia me entender e talvez pudesse me ajudar sem me julgar, mas você resolveu que era melhor se isolar, seguir sua vida e me excluir. Essa foi sua decisão e você não tem direito de culpar a gente. Foi você que se afastou e agora vem falar que a gente tem culpa de não ter te contado algo? A minha sorte foi que Tom e perceberam que eu precisava de ajuda antes que eu acabasse morto, porque se dependesse de você… Se eu tô aqui agora, o mérito é meu, mas também é deles por se importarem comigo e terem cuidado de mim quando precisei. Você não fez nada. Você tinha tudo na mão e não fez nada. Nada além de me cobrar algo que dependia de você e ainda fica fazendo cena como se fosse a vítima, sendo que só está colhendo a merda que plantou. Se alguém aqui tem direito de estar puto, esse alguém sou eu. Porque eu estava lá pra você o tempo todo, porra, com a mão estendida, mas você só me ignorou.
Na minha cabeça, a sineta tocou e anunciou o campeão. E foi só isso. Ninguém mais falou nada, Danny não tinha um pedido de desculpas pra dizer e eu comecei a ficar com raiva da cara de pau dele mais uma vez.
— Danny, você quer falar algo sobre isso? — a pobre doutora Meghan estava tentando consertar nossa terapia, mas não tinha chance nenhuma.
Só piorou quando Danny abriu a boca pra dizer qualquer asneira e eu o interrompi imediatamente.
— Depois dessa palhaçada, ele ainda foi bater na minha porta e fazer a porra de um escândalo por causa da própria merda! — continuei a reclamar. — Foi me enfrentar e me culpar sendo que eu tentei falar pra ele tudo! Todo dia, porra. Toda merda de dia eu tentei me aproximar, cumprimentava ele na rua na esperança de conseguir a porra de uma brecha pra puxar papo e falar de tudo. Queria contar que eu também tava na merda, Danny. Que essa coisa de projeto fitness começou só pra tampar um buraco no meu coração no espaço que o McFLY deixou pra trás. Eu pensei tanto em te pedir pra falar com o Tom porque vocês sempre se entenderam e ele precisava de um amigo depois do que aconteceu com o noivado dele. E eu queria muito, muito mesmo, que você fosse o amigo que o Dougie precisava. Você sempre foi a cola entre a gente, Danny, transitando entre nós três com a maior facilidade, nunca estava brigado com ninguém e agora resolveu ser um filho da puta com nós três ao mesmo tempo, virou as costas e foi embora pra só voltar cobrando coisas que só são culpa sua e da sua omissão! — Tomei ar antes que ficasse emocionado. — Você é um egoísta de merda! Se achando no direito de cobrar algo quando a gente nunca te deixou de lado, mas você nunca esteve pra gente quando a gente precisou!
Pronto. Eu me sentia até melhor.
— Ignorou mensagens e ligações, cumprimentos na rua e até aqui na terapia fica procurando qualquer lugar pra olhar que não seja na nossa cara — Tom finalmente largou o pano que estava passando pro Danny e se juntou à fogueira. — Olha no meu olho, Danny. Vai continuar fingindo que não conhece a gente? Vivendo essa vida de boêmio que a gente nunca gostou? Quero dizer, a gente não gostava, mas você estava sempre tentando fugir pra isso e a gente cuidava de você pra que nunca ficasse tão ruim como está! Você escolheu essa fuga, Danny, escolheu nos culpar pelos seus erros. Eu não tenho palavras pra dizer o quanto estou decepcionado com você e com a pessoa que você escolheu ser.
Eu achei que estava vendo lágrimas nos cantos dos olhos do Danny e me encolhi um pouco no sofá. Danny sempre foi um chorão, mas estava segurando firme até ali e eu estava começando a me sentir menos entretido com o barraco e ficando um pouco culpado com tudo aquilo.
— A senhora também tem algo pra me jogar na cara, doutora? — perguntou, debochado. — Já que está todo mundo muito bem armado contra mim, todos santos e inocentes.
— Ninguém disse que é santo ou inocente, Danny — ela o corrigiu imediatamente. — Eles não estão se eximindo da culpa, mas ficaram magoados com sua ausência durante esse tempo. E você também pode e deve falar sobre o que te machucou, Danny. Isso faz parte do processo de culpa e vocês precisam decidir como vão seguir daqui pra frente.
Danny torceu a cara algumas vezes antes de responder:
— Eu não tenho nada pra falar, não.
Filho da puta!
— Agora ele não fala! — gritei. — Vai dar duas horas e ele vai lá na minha casa de novo pra fazer outro escândalo. Mas, sabe? Não me surpreende nada! — debochei. — Ele me ignora em todos os lugares, por que ia falar alguma coisa aqui?
— Pelo menos com vocês ele fala! — Tom resmungou.
— Ué? — Danny chamou. — É pra falar ou não? Vocês precisam se decidir.
Sentia que a doutora Hilton ia cancelar o contrato que fez com Rachel a qualquer momento. Ela resolveu deixar nós três resmungões de lado e se voltou para Dougie, calmo e controlado, como se ele fosse o único capaz de salvar a sessão.
— Dougie, como você se sentiu com a visita de Danny ontem?
Dougie respirou bem fundo antes de responder.
— Queria que não tivesse sido assim. Preferia que ele fosse me visitar sem confronto, sabe? Não precisava ser conturbado do jeito que foi e que não tivesse feito me sentir uma vontade absurda de escapar da realidade e… — engoli a seco com a confissão de Dougie e ele suspirou. — Não quero me sentir assim de novo. Entorpecido e afastado do mundo.
— Mas você queria que ele tivesse ido lá, então? Para uma visita.
— Sim.
— Queria tanto que meu nome nem tava na lista de visitantes — Danny reclamou, não prestando atenção no que Dougie estava dizendo.
— Eu não sou responsável pela lista — contou. E não era mesmo. Tom era o responsável e fez bem em não incluir Danny, pelo que tinha escutado até ali. — Mas, se fosse, não teria colocado o seu nome, você não iria nem se implorasse. Porque eu basicamente implorei por ajuda pra você e você me ignorou.
— Existe alguma possibilidade dele ser incluído na lista? — doutora Hilton continuava a tentar, coitada, mas eu ainda estava apostando no baixinho.
— Sei lá — ele deu de ombros. — Esse assunto está me dando dor de cabeça.
E virou o rosto para o lado como se tivesse perdido o interesse no assunto. Esse era o velho Dougie e a visão me assustou um pouco.
— — doutora Hilton me chamou bem quando eu estava perdido em pensamentos de pânico sobre como Dougie se sentia. — Você gostaria que Danny tivesse ido te visitar antes?
— É claro — respondi sem nem pestanejar.
Tudo o que sempre quis naqueles anos era me sentar no sofá com uma cerveja, três caixas de pizza, um jogo de futebol na TV e o meu melhor amigo do lado.
— E você, Tom? — ela perguntou e Tom apenas acenou com a cabeça. — Viu, Danny? Seus amigos ainda te querem por perto.
— Pois não parece — retrucou.
Perdi minha paciência de novo.
— Sinceramente, acho que é impossível esse idiota entender qualquer coisa. E já passou da hora dessa sessão terminar porque, obviamente, não vamos chegar a lugar nenhum conversando com essa porta — falei.
— Isso, vamos todos apedrejar o Danny e ir embora.
Meghan limpou a garganta.
— Vamos trabalhar em algo enquanto estiverem em casa — ela pediu. Outra droga de trabalho de casa. — Na próxima sessão, me tragam essas atitudes dos outros que te irritam e te magoam. E a gente trabalha com isso.
— Mais uma vez vão falar só sobre mim — Danny riu e eu só revirei os olhos enquanto ele saía de fininho da sala, sem se dar o trabalho de encarar nenhum de nós.
Tom suspirou e me deu um aceno leve. Uma conversa muda sobre Dougie, que ainda encarava algum pedaço da parede que parecia muito interessante. Acenamos de um para o outro até que ele encostou a mão no ombro de Dougie.
— Quer companhia até a clínica? — perguntou.
Dougie sorriu de lado e acenou apenas uma vez.
Assim pude ir mais tranquilo para o meu dia fazendo porra nenhuma da rua para não ter que encarar .
E na sexta de manhã, estávamos lá de novo, para a sessão que chamei de “briga generalizada”. Fui o primeiro a chegar porque já acordava cedo, mas evitando … Quanto antes saísse de casa, melhor. Tom chegou logo depois, com dois copos de café.
— Foi mal, cara — falou. — Eu ia te perguntar se você queria alguma coisa, mas sei lá…
Sorri e concordei com a cabeça. Ele ficou sem jeito de falar comigo, ainda tinha muito estranhamento entre nós quatro e eu não ia ficar chateado por isso. Ele pelo menos estava tentando.
Acenei para o copo extra com o queixo.
— Como ele está? — perguntei.
— Parecia melhor quando saiu daqui, já — falou. — Não conversamos ontem.
Dougie chegou alguns minutos depois e realmente parecia melhor. Aceitou o café com um dos seus sorrisos bonitinhos e se sentou no cantinho da janela, curtindo o Sol da manhã com os olhos pequenos apertadinhos por causa da luz.
— Dessa vez, eu acho que ele não vem — disse, rindo.
Danny estava atrasado de novo.
— Você quer apostar? — brinquei. — Porque eu acho que ele vem com uma lista só pra jogar umas coisas na cara da gente pra se vingar.
— Danny não é vingativo — Tom defendeu ele de novo. — Ele é chorão. Ele vai chorar a lista toda e depois vai se fazer de vítima pra doutora Hilton achar que nós somos vilões.
Tom tinha razão, então nós caímos na gargalhada.
Doutora Hilton nos chamou para entrar antes de Danny chegar, momentos depois, enquanto nós estávamos nos levantando pra ir e passou primeiro, esbaforido, como se quisesse provar que tinha chegado primeiro só porque passou pela porta antes.
— Bom dia, meninos — doutora Hilton estava tentando ser espirituosa. — Nossa última sessão foi intensa e eu pedi que vocês…
— Eu hoje quero falar — Danny interrompeu a doutora.
Bati palmas, debochando.
— Vai lá, princeso, dá teu show — incentivei.
Danny apontou o dedo na minha cara.
— Primeiro você com esse teu deboche — ele disse. — Fica aí se doendo porque eu não queria falar com você, mas é o tempo todo me tratando como merda, como se nada do que eu falasse tivesse valor porque só a sua opinião que importa. Só o que o acha que é certo que vale, só o estilo de vida dele que é bom e todos os outros são tratados com deboche e piadinhas do mais baixo nível porque você não sabe sentar e conversar, só humilhar os outros como o belo filho da puta que você é!
— Como é que é? — Subi minha voz. — Seu grande desgraçado, eu estava do seu lado o tempo todo querendo conversar, você é que nunca queria falar nada minimamente útil, só queria curtir, festas e diversão são tudo pro Danny Jones! Deixava a gente superficial porque Danny não se aprofunda! Porra, e no segundo que a nossa relação precisou de mais profundidade, você se afundou na bebida como se fosse sua nova melhor amiga e se mandou! Eu fiquei lá que nem um idiota, querendo qualquer coisa com você, mas você me abandonou e abandonou o McFLY como se a gente não fosse nada e sabe? — bufei. — Eu não consigo fazer música sem vocês. Vocês eram tudo o que eu tinha, meus melhores amigos, minha banda, meu trabalho e no momento que explodiu, eu não sabia o que fazer. E eu tava lá, doido pra conversar de coração aberto, há anos. Anos! E ninguém estava disponível, mas principalmente você, porra. Você mora do meu lado, seu imbecil. Era só tocar a porra da minha campainha e sentar no meu sofá e conversar comigo, mas Danny nunca tem tempo. Danny não se importa! Ele sempre tem outra coisa melhor pra fazer!
— E você sempre tem um monte de coisas pra dizer, não é, ? — ele debochou. — Sempre fazendo piadas sem graça sobre a gente, sempre contrariando tudo que a gente fala só pela diversão de ser chato. Você acha que está aberto pra conversar, mas você não sabe ouvir ninguém a não ser você mesmo.
— Eu não…
— Ele tem razão, sabe? — Dougie me cortou e eu senti como se estivesse levando um soco na boca do estômago. — Sempre achei isso. Você sempre foi muito barulhento e “olha como eu sei coisas sobre isso”, esse seu negócio de ser confiante e, na minha cabeça, você parecia um pavão toda vez que ia dar uma opinião sobre alguma coisa.
— E você nunca dava opinião sobre nada — aleguei. — Isso me deixava maluco. Eu queria te pegar pelos ombros, te sacudir e falar: reage! Porque não era possível, se o Tom dizia: vamos tocar reaggae, você achava um máximo, se o Danny dizia que eletrônico era a onda do momento, você batia palma e eu ficava “como Dougie me deixou sozinho com esses dois malucos?”
— E por que você acha que eu teria a mesma opinião que você? — Dougie questionou. — Você nunca me deixava falar. Eu só concordava com você também porque era extremamente cansativo conversar com você porque toda vez que eu falava qualquer coisa diferente da sua linha de pensamento, você automaticamente construía uma missão pra me convencer a pensar como você. Pelo menos Danny e Tom sempre foram mais abertos às minhas colaborações, então eu me sentia na obrigação de me sentir mais aberto às deles, mesmo que não gostasse muito.
Engoli a seco. Será que todos eles pensavam isso sobre mim? Porque eu sempre me senti aberto, sempre achei que queria ouvir as coisas que eles falavam. Por que passava aquela impressão de ser difícil?
— Mas você não precisava — Tom finalmente se pronunciou, se virando para Dougie. — Eu queria que você falasse, Dougie. Sempre achei suas ideias diferentes e interessantes, mas então você se fechou e começou a apenas sorrir e acenar e sinto que o McFLY começou a andar pra trás no momento em que você se escondeu dentro da sua própria cabeça.
— Sim, eu sei já sei que é a culpa é minha — Dougie pontuou. — Vocês deixaram isso bem claro da última vez.
Eu cheguei a me curvar para frente para negar com todas as forças que qualquer coisa fosse culpa de Dougie, mas Danny me interrompeu.
— Ah, tá — debochou. — Culpa sua só na primeira página, né? Porque você faz essa carinha de cãozinho abandonado e imediamente todas as merdas que você faz viram culpa do Danny porque o Danny que te mostrou como que fazia.
— Okay… — Doutora Hilton acenou, interrompendo. — Vocês estão indo bem, mas vamos tentar evitar os xingamentos e os ataques. Ok, ? Danny? — Franzi o nariz e aceitei. — E vamos trabalhar na ideia que a culpa das coisas não terem dado certo não é de ninguém, mas do conjunto de todos vocês, que não se alinhou. Então, Danny, Dougie, não é culpa de nenhum de vocês exclusivamente.
— Mas eles acham que é! — Danny apontou.
— Eu não acho — Tom pontuou.
Revirei os olhos.
— Tom sempre te defende.
— Sempre — Dougie concordou. — Mesmo quando você é um cuzão.
— Você que não enxerga porque tá sempre ocupado se fazendo de vítima — continuei.
Danny estava congelado com a declaração, não sabia nem para onde olhar.
— Eu realmente acho que você vacilou em algumas coisas, como quando você enchia a cara e ia atender nossos fãs bêbado, tratava eles mal porque tava doidão e sempre se atrasava, ainda atrasa, pros compromissos — Tom explicou, calmamente. — Mas isso não quer dizer que a gente acabou por sua causa ou que os erros do Dougie são sua culpa.
— Você disse isso — Danny alegou, a voz falhando, na beira do choro. — Da outra vez. Você disse isso. Que Dougie estava na merda por minha causa. E agora ele está na reabilitação e a culpa é minha.
Ok.
Eu realmente não lembrava de Tom ter dito algo assim para Danny na nossa briga, mas muitas coisas faziam sentido agora.
Fazia sentido que Danny tivesse se afastado depois de ouvir algo como aquilo porque ninguém queria saber de alguém te apontando e te culpando de coisas que você não fez.
Mas fazia muito mais sentido o fato de Danny ter surtado por Dougie estar na reabilitação. Não foi por não saber, mas por não saber como reagir quando ele achava que a culpa era dele. Quando ele achava que a gente achava que era culpa dele.
Eu quase conseguia me sentir um pouco culpado por ter brigado tanto com ele, exceto pelo fato de que Danny realmente merecia levar um tapas.
— Eu não… — Tom gaguejou.
— Disse sim — Dougie interrompeu. — Eu lembro disso e olha que eu tava chapado. Fiquei na merda por um tempo porque vocês não me consideravam nem pra ser responsável pelas minhas próprias merdas, como se fosse um inútil — Ele se virou para Danny e continuou. — Eu estar na reabilitação é culpa minha. Ter me envolvido com drogas e bebidas é culpa minha. São as escolhas que eu fiz e você não tem nada a ver com isso. E eu estar na reabilitação não é pra ser uma coisa ruim, pra se sentir culpado por isso. Essa é a primeira de muitas escolhas boas que eu pretendo fazer daqui pra frente.
Danny explodiu em um choro desesperado após as palavras de Dougie. Chorou tanto que me peguei levando a mão até suas costas para acalentá-lo e passei os lencinhos da doutora Meghan pra ele, ao que ele agradeceu com a voz fraquinha.
— É, Tom — eu murmurei, ainda esperando que Danny se acalmasse. — Você realmente diz algumas coisas…
— O que eu digo?
Danny assoou o nariz alto e nojento.
— Você sempre dá lição de moral toda vez que a gente faz algo que você acha que é errado — choramingou Danny.
— Sempre julgando a gente por não ser bom o suficiente pra você — concordei.
— Eu nunca sei se você vai agir como meu pai ou como meu amigo — Dougie continuou.
Tom parecia perdido com nossas declarações, como se não esperasse nada assim, mesmo que fosse óbvio para nós três.
— Ah, é? — ele retrucou, como uma criança em uma provocação. — Mas vocês também não são nada fáceis.
Eu queria rir porque ele parecia prestes a começar mais uma das suas épicas broncas e provar o ponto que a gente estava colocando na mesa.
— Então, fala, Tom — Dougie acenou, esticando o braço.
Debochado. Gostei.
— Danny, por exemplo! — ele falou, sem se importar que Danny tinha acabado de conseguir controlar seu choro. — Como você teve coragem de começar uma carreira solo sem nem me falar nada? De cantar sem mim? — perguntou e eu concordei. Aquilo foi vacilo demais do Danny. — Eu fui abandonado dias antes do meu casamento porque minha noiva se apaixonou por outra mulher, mas sabe? Não doeu nem perto do que senti quando eu soube de você. Eu me senti traído.
— Casamento que você não convidou nenhum de nós — pontuei. Os três olharam pra mim, me fuzilando e eu levantei as mãos pro alto. — Só estou pontuando aqui. Eu estava esperando um convite.
— Você sempre está esperando convites, — Tom rosnou pra mim. — Sempre cheio de amigos, rodeado de pessoas te paparicando e nunca tinha tempo suficiente pra praticar na bateria ou se sentar com a gente pra conversar.
— Oi? Eu estava o tempo todo com vocês! — Como Tom tinha coragem de me dizer uma coisa dessas? — Sempre coloquei todos vocês em primeiro lugar. O que você queria, Tom? Exclusividade?
— Pra começar!
— Você é maluco.
— Tentem ser produtivos, meninos — Dra. Meghan interviu.
Respirei fundo. Tom também.
— Eu acho ok que vocês não tenham muitos amigos e sempre entendi que era o jeito de vocês — tentei. — Dougie é assim, na dele. Danny até conhece muitas pessoas, faz amizade fácil, mas dificilmente consegue se aprofundar nelas e você, Tom, sempre esteve muito focado em algumas poucas coisas e me sentia honrado em ser uma das pessoas que você focou — ele me encarou, daquela merda daquele jeito que só ele fazia. — Mas eu nunca fui assim. Vocês me fizeram restringir muito mais o meu mundinho aqui, nas pessoas dessa sala, e quando não estiveram lá… Me senti perdido. Muita energia social pra gastar e não muitas pessoas dispostas a isso porque acabei me afastando delas porque preferia vocês. Então isso aí é injusto.
— E ele segue sem conseguir aceitar a opinião de ninguém — Tom resmungou.
— Não acho que ele esteja errado agora — Danny me defendeu.
Segurei a respiração.
Danny estava me defendendo.
— Porque você é o mais indicado a decidir o que é certo ou errado aqui, não é, Danny? — Tom perguntou.
Danny se encolheu no sofá. Estava quase do tamanho do seu próprio cérebro agora.
— Por que, Tom? — fui em seu socorro. — É você, por acaso?
— Talvez seja!
— Você não…
— A gente está andando em círculos aqui — Dougie me cortou. — Repetindo os mesmos comportamentos que cada um acabou de falar que machuca o outro. Todo mundo. Eu também — ele respirou fundo. — Por isso que estou falando agora. Porque não quero repetir. Quero que vocês sintam que eu tô disposto a sair da minha zona de conforto e mudar as coisas que machucam vocês pelo que a gente tinha. Pelo que a gente ainda pode ter. Mas vocês precisam fazer isso também.
Engoli tudo o que eu tinha pra dizer. Tom fez o mesmo, olhando pra parede, pra longe de mim. Danny coçou o nariz, ainda choroso, e tentou se sentar mais reto no sofá.
Doutora Meghan estava sorrindo como se tivesse ganhado um milhão de Libras.
— Vamos encerrar por hoje? — ela chamou. — Talvez vocês achem que não, mas deram um grande passo hoje. Saíram do silêncio, da inércia de só deixar as coisas como estavam e conversaram. Brigaram, mas aceitaram que os outros pudessem falar. Hoje, para esse final de semana, não vou deixar nenhuma tarefa a não ser pensarem sobre as coisas que ouviram dos seus amigos, principalmente as coisas que não gostaram. E do que vocês podem ou estão dispostos a fazer para que essas atitudes que machucaram seus amigos não se repitam nesse novo ciclo. Tudo bem? Nos vemos na segunda?
Danny saiu como um foguete da sala, largando uma pequena pilha de lenços usados para trás e Tom foi atrás, batendo os pés. Dougie olhou em minha direção, um sorriso leve no rosto, e deu de ombros. Saímos juntos, nos despedindo da doutora Hilton.
Eu sabia que assim que Dougie saísse da sala, ele seria acompanhado por alguém da gravadora até um carro para levá-lo de volta à reabilitação.
— Me desculpa — disse, antes que a oportunidade escapasse. Dougie me encarou, os olhos maiores que o normal. — Por, sabe, você sentir que não podia falar comigo. Porque pode. Eu juro que vou prestar atenção se estiver sendo chato e você pode me dar um toque também, sei lá.
Dougie sorriu e acenou com a cabeça.
— Claro, cara — disse. — A gente vai dando um jeito, certo? — respirei aliviado. Dougie era o único que parecia estar me dando total abertura para resgatar o que tivemos e eu não queria correr o risco de deixar ele escapar pelas minhas mãos. — Você acha que o Tom ficou muito bolado?
Torci a cara.
— Acho — concordei e vi Dougie preocupado. Entendi que ele também estava aberto para Tom e que eles vinham se reconectando e talvez estivesse com o mesmo medo que eu. — Mas ele é sensato na maior parte do tempo. Até segunda feira já vai ter entendido o que a gente disse. Eu acho.
Estávamos saindo da sala e uma jovem estagiária já estava ali, acenando animadamente para Dougie para ser sua escolta. Talvez eu falasse com Rachel depois que podíamos acompanhar Dougie para o carro, se fosse mesmo necessário.
— Danny vai demorar mais tempo, eu acho — Dougie sorriu de lado.
— Ele sempre demora um pouquinho mais — concordei.
Seu sorriso se abriu ainda mais e ele acenou uma despedida.
— Até segunda, então?
— Talvez eu consiga te visitar no domingo? — era pra ser um aviso, mas saiu como uma pergunta. — Se estiver tudo bem. Pra gente conversar.
— Claro — ele concordou. — A gente combina.
Ele seguiu para a saída e eu ainda parei pra tomar um café, batendo um papo com o pessoal da contabilidade e ainda troquei algumas frases com as meninas da recepção do andar, que eram sempre muito simpáticas antes de descer.
Atravessei a rua até onde meu carro estava estacionado, pensando em ir para o shopping e depois para academia porque não queria passar nem perto de porque ela farejaria a briga em cinco segundos e eu preferia não ter que olhar na cara dela.
Destranquei o carro e coloquei a mão no puxador pra abrir a porta.
— Oi.
A voz melodiosa atrás de mim era inconfundível e eu me peguei congelado e incrédulo por alguns segundos antes de me virar.