Waking up wondering what we’ve done

Dez anos antes.

— Está me seguindo? — reclamou. — Não vai me deixar passar?

Aquela menina era muito marrenta se achava que eu estava seguindo ela.

Mas se a gente parasse para pensar, talvez eu estivesse seguindo sim.

— Não enrola, vem logo — exigi, estendendo a mão pra puxá-la escada acima.

se afastou da minha mão dando um passo para trás… E esbarrando diretamente no imbecil da pista de dança.

— Oi, linda — ele enlaçou a mão no cabeço dela. — Tava doido pra conhecer você melhor.

Parei por um segundo.

Porque eu não ia arrancar ela dele e meter um soco na cara do homem, não. Isso com certeza saíria nas colunas de fofoca.

Também não ia me meter na vida dela se fosse o que ela queria.

Mas, porra, se ela caísse naquela cantada… Isso sim feriria o meu ego.

— Com licença? — ela gritou acima do som da música, dando um empurrão no cara.

Uma sequência de caos se iniciou naquele momento porque o relógio dele enroscou no cabelo dela e, quando ela o empurrou, acabou indo junto e soltando um grito de pavor que me assustou.

A bebida já tinha embaralhado meu senso, então não vi que foi um acidente. Na minha cabeça, ele tinha puxado pelo cabelo.

E isso eu não podia admitir.

Então sabe o que eu disse sobre não socar o cara porque não queria ir para as colunas de fofoca?

Era melhor apagar.

Porque foi exatamente o que eu fiz.

Dias atuais

— Não vai me deixar passar? — ela perguntou.

Apesar da bebedeira descabida da noite que conheci , eu me lembrava muito bem de cada detalhe e sabia que aquela frase era uma repetição.

— Está me seguindo? — repeti também.

Seu sorriso se encolheu em um bico de satisfação e tive certeza que ela pegou a referência.

Quais as chances?

Quais as chances da jornalista responsável pelo registro inicial do documentário ser a jovem Pex, que conheci 10 anos antes?

Naquela noite insana de final trágico.

Quais as chances dela ter me perdoado e que ainda conseguisse tem um bom documentário?

— Não, mas aparentemente vou precisar começar a fazer isso — declarou. — Podemos começar? Eu tenho mais o que fazer do que ficar parada no seu batente.

Nenhuma chance.

Eles mandaram ela para eu me foder?

Mandaram ela pra acabar com qualquer boa impressão que eu pudesse criar?

Mandaram ela pelo caos?

— É… — cheguei para o lado. — Claro.

Que merda eu estava fazendo com a minha vida? Quando Pex marchou para dentro da minha casa com seus saltos ressoando pelo piso, os cabelos se movendo como se estivesse em uma cena de filme em câmera lenta, comecei a tentar calcular o quanto estava fodido.

Ela sentou em meu sofá como se fosse dona do espaço, sem nem ponderar sequer uma vez, cruzou as pernas, ajeitando a barra da saia e virou-se para a sua bolsa.

E eu fiquei em pé, parado, congelado, preso e hipnotizado no exato lugar em que suas coxas se encontravam.

Fodido ao infinito.

Isso.

Esse era o resultado certo do cálculo.

— Então, — ela pegou o celular e levantou o olhar para mim, travando ao me ver parado ainda. — ?

— Desculpe — me apressei.

Havia algo no olhar dela e no tom de voz que fazia com que eu me sentisse uma criança levando bronca, por isso me sentei na poltrona, um pouco mais distante dela, quase na lateral.

Foi uma ideia ruim porque imediatamente reparei em como ela ficava linda com a luz do Sol brilhando em seus cabelos; e acabei descobrindo que não eram pretos como eu pensava, e sim de um tom de castanho avermelhado…

— Eu disse para minha chefe que essa primeira reunião não era necessária porque ela é, em teoria, para gente conhecer melhor o entrevistado e… Bom… — soltou uma risada bufada que parecia deboche. — Mas ela insistiu e estamos aqui.

— Eu sinto muito — deixei escapar.

As narinas dela inflaram e essa foi a única suspeira que tive de que ela ouviu o que falei.

— Então, , quais são suas expectativas para esse retorno? — perguntou, ignorando o elefante branco na sala.

— , eu realmente…

— Não. — ela me cortou imediatamente.

— Não…?

— Não — repetiu. — Você pode fazer uma rosquinha com as suas desculpas, enfiar no meio do seu cu e me dizer que porra você espera dessa merda de comeback pra eu poder terminar meu relatório e ir embora daqui.

— Se você não queria fazer essa merda de matéria, por que está aqui?

— Porque algumas pessoas tem contas pra pagar, Mitchell, responsabilidades e precisam lidar com as consequências dos seus atos. Se você acha que o sonho da minha vida era cobrir a morte iminente de bandinha falida…

— Bandinha falida?

— Você foi de hits a topos de paradas como se nada tivesse acontecido e eu precisei lidar com as consequências, porra — sua voz subiu e as bochechas salientes começaram a ganhar cor. — Eu quase perdi meu financiamento. Penei igual uma cachorra pra conseguir um emprego. E tudo o que eu consigo é fazer matérias ridículas e inúteis como essa porque é tudo que eles acham que eu sou capaz de fazer depois daquilo e aí você me vem depois de dez anos dizer que está arrependido? — Ela descruzou as pernas e se curvou pra frente, os cabelos caindo e balançando como um anjo do inferno testando minha paciência. — Eu demorei muito tempo pra conseguir deixar a sua imbecilidade pra trás pra você vir jogando tudo na minha cara agora e choramingar que está arrependido. Um caralho que está!

Eu sabia que merecia cada uma daquelas ofensas. Sabia.

Mas não queria dizer que não estivesse puto por ela simplesmente não aceitar que eu me sentia muito pelas minhas escolhas ruins terem magoado ela. Porque eu realmente me arrependia. Porque eu realmente pensava naquilo com uma certa frequência, até.

Se eu pudesse voltar naquela noite, teria simplesmente deixado ela em paz quando ela me deu o fora. Aquilo teria evitado muito sofrimento pra nós dois.

E teria evitado aquela vontade feroz que eu tinha de agarrar ela pelos cabelos e…

Sacudi a cabeça.

— Ah, quer saber? — rugi. — Foda-se. Escreve aí nessa merda que eu…

Travei.

As palavras de Rachel seguraram minha língua.

Aqueles três dependiam de mim. Eu era o representante. E se Pex estava responsável por aquela matéria, eu precisava ter cuidado com cada uma de minhas palavras.

Porque ela tinha motivo.

Tinha oportunidade.

E qualquer coisa errada que eu dissesse seria o suficiente para ela enterrar o McFLY sem nem sujar suas unhas pintadas de vermelho.

— Sim? — Perguntou, com um sorriso no rosto, esperando que eu lhe entregasse o que precisava para me destruir.

A infeliz era inteligente.

Ardilosa.

Usava o corpo como arma com todas aquelas curvas, cruzadas de pernas e balançadas de cabelo.

Mas seu veneno estava na língua feroz. Nas palavras que sussurrava e escrevia.

E eu precisava aprender a me defender.

Respirei fundo.

— Escreve que o McFLY é a minha família — declarei, resolvendo me abrir porque era o único jeito. A verdade, mesmo que me envergonhasse e me deixasse tenso. — E que esse tipo de afastamento é normal, porque significa que nós nos amamos o suficiente pra ficarmos magoados um com o outro. E que eu espero que agora, depois desses anos e do que cada um de nós precisou passar sozinho, possamos sentar e conversar como adultos e voltarmos a…

As palavras se embaralharam com o sorriso sincero que exibiu em seu rosto. Seus olhos escuros estavam fixos no meu, me revirando do avesso atrás de segredos.

— Você está dizendo que o fato de Danny Jones ignorar toda e qualquer tentativa de contato de vocês é sinal de afeto? Que Dougie Poynter ter se enfiado em uma jornada autodepreciativa de drogas é por amor? Que Tom Fletcher não ter convidado nenhum de vocês pro casamento dele é normal?

Alerta vermelho. Ela tinha feito uma boa pesquisa e estava me empurrando para uma armadilha.

— O que eu estou dizendo — desenhei cada uma das palavras em meus lábios, tomando cuidado com o que dizia. — Que o contrário do amor é a indiferença, não a raiva. Se tem raiva é porque ainda tem chance.

desviou o olhar.

Te peguei, não foi?

Ela precisou de apenas três piscadas para se recuperar.

— Então você está me dizendo que está com raiva dos outros três?

A filha da puta era inteligente e rápida demais para o meu gosto.

— Coisas foram ditas, certo? Não estou negando que aconteceram coisas ruins antes de… Antes de irmos cada um pra um canto. Então sim, estamos chateados, com raiva, o que seja. Uns mais que outros.

— Entendi — ela disse. Mexeu no celular e só então percebi que estava gravando quando parou a gravação. Ela devia ter me falado, certo? Ela levantou o olhar e percebeu minha cara de bosta amassada e sorriu. — Não se preocupe. Eu gravo as entrevistas para não deixar minha memória distorcer o que foi dito. Por isso, preciso te pedir pra deixar as questões pessoais de fora das gravações. Minha chefe pode pedir pra ouvir porque ela sabe que eu gravo e… Já tive humilhação demais pra uma vida.

Culpa minha.

— … Eu realmente sinto muito — tentei mais uma vez.

— Foda-se, — retrucou. — Seus sentimentos não vão apagar o que aconteceu.

— Eu sei. Sinto muito — O pedido de desculpas saiu de novo e fechei meus olhos, me sentindo um imbecil. Tinha ensaiado pedir desculpas para por anos e só conseguia dizer baboseiras superficiais com ela na minha frente.

— Já tem muito tempo — ela suspirou e, por um segundo, vi-a despir a imagem poderosa. Estava apenas cansada por trás daquilo tudo.

— Eu sei — repeti. — Espero que você tenha ficado bem.

— Eu pareço bem? — perguntou, abrindo os braços.

Cruzou as pernas novamente e balançou a cabeça em negação, inconformada. Respirou fundo e sumiu. Voltou a selvageria em seus olhos.

— Tudo bem — concordei. — Faça o seu pior. Eu mereço.

cerrou os olhos em minha direção, mas havia um breve sorriso em seu rosto. Seja lá o que passou em sua cabeça, parecia ter gostado do que eu disse.

— Vou voltar a gravar agora — anunciou.

Pelos seguintes vinte minutos, explicou o processo das entrevistas de forma altamente profissional e eu respeitei, apenas concordando quando era solicitado. Explicou que tinha livre acesso à minha rotina, mas que haveriam entrevistas marcadas para acompanhar o processo porque, de acordo com ela, não tinha interesse algum em me perseguir vinte e quatro horas por dia.

— Agora, só para terminar… Hm… — ela pegou uma agendinha de dentro da bolsa e folheou parecendo incerta pela primeira vez na entrevista. — Eu não tenho acesso à consultas médicas, é claro. Mas amanhã vocês tem… A primeira terapia em grupo, é isso?

Me senti levemente envergonhado que fosse de conhecimento público que iríamos fazer terapia. Juntei as mãos, sem saber o que dizer, mesmo que fosse apenas para responder sim.

— , se você se sentir mais confortável, podemos tratar desse assunto com o nome de reuniões de conciliação — sugeriu.

Levantei o olhar para ela, agradecido que soubesse ler minha insegurança e que fosse gentil o suficiente para não usar contra mim. Principalmente depois da minha inércia ter permitido que ela passasse pelo que passou sozinha.

— É… Sim — concordei. — Separados primeiro, eu acho.

Ela era boa. Profissional.

Eu tinha conhecido a jovem e selvagem , divertida e sem limites. Foi por apenas uma noite, mas era o suficiente para saber que nada no mundo a transformaria na mulher que estava na minha frente, passível e controlada. Nem mesmo o que precisou passar por minha causa.

performava uma profissional. Ainda estava ali por baixo, nas nuances, na sensualidade, na ferocidade com que me guiava para o caminho que queria seguir. Mas todo aquele controle?

Era fachada. Uma personagem.

Uma hora com ela e eu tinha certeza.

— Entendi — acenou. — E você já pensou sobre isso? Se isso vai ajudar vocês?

Torci a boca.

— Acho que vai.

suspirou e apertou algo na tela do celular, encerrando a gravação de voz.

— , eu sei que tem muita coisa acontecendo — ainda era a profissional, apesar da gravação encerrada. — Tem muita coisa aqui — ela acenou de mim para ela. — E tem muita coisa acontecendo no seu mundinho também. Mas eu preciso que você fale ou não faz sentido eu estar aqui. E acredite em mim: se colocarem outra pessoa no meu lugar, você não vai gostar.

Soltei uma risada debochada.

— Quem no mundo ia ser pior que você? — respondi.

sorriu de lado. A língua correu pelos lábios antes dos dentes. Estava fazendo um esforço maior para se conter dentro da personagem que criou. Se eu sacudisse um pouco mais, ela saíria de novo para gritar palavrões na minha cara.

— Alguém que não se importa com os fatos — respondeu. — Alguém que vai sentar aqui com um sorriso no rosto, te ludibriar com perguntas e distorcer todas as suas respostas do jeito que bem entender. Acredite em mim, eu sei exatamente quem vão mandar no meu lugar se isso — ela apontou de novo de mim para ela. — Não der certo.

— É que tem alguns fatos que eu… — suspirei, balançando a cabeça. — Algumas coisas que eu não quero falar.

concordou com a cabeça.

— Então vamos negociar — disse, apenas. Descruzou as pernas e voltou a se curvar para frente, o que era uma droga porque o decote dela também tirava a minha concentração. — Preciso dizer que tem algumas coisas que não posso abrir mão. Não posso deixar de relatar o que está acontecendo no momento, como… as reuniões de conciliação. Mas existem coisas que podemos… tentar evitar mencionar. Então… Qual é o fato que você mais gostaria que eu passasse longe?

Pisquei e fechei os olhos, mesmo que não precissasse pensar muito para saber quem eu protegeria primeiro. Levaria todos os chumbos do mundo para que ele não levasse nem um peteleco.

— Dougie — respondi, simplesmente.

— Estamos em off aqui, — ela lembrou. — Dougie é um tópico muito abrangente.

— Dougie e os problemas dele com drogas — expliquei. — E a reabilitação.

Ela abaixou o olhar antes de voltar a me encarar, sentando ereta com as mãos juntas.

— A reabilitação é algo que está acontecendo agora e eu não sei se posso evitar falar disso — explicou. — O que me leva a falar das drogas. Mas eu prometo que vou fazer de tudo em meu poder para passar apenas em menção. Não tenho interesse em atrapalhar o processo de cura dele.

Ela pareceu sincera e isso significou o mundo pra mim

— Obrigado — murmurei, a emoção dançando pelos meus olhos. Conseguia sentir o peso saindo dos meus ombros. podia fazer o que quisesse comigo e com os outros dois, mas só de saber que Dougie estava livre, sentia um alívio absurdo.

— E como ele está? — perguntou baixinho. — Você foi visitá-lo, não foi? Uns dias atrás?

— Há quando tempo está me seguindo? — perguntei.

Ela riu de verdade, os cabelos balançando, as bochechas ganhando cor. Ela tinha aquela risada que iluminava o ambiente e envolvia todo mundo ao redor, tanto que me peguei sorrindo. Era quase tão dominante quanto a risada de Danny, que eu não ouvia há uns bons cinco anos.

Sem a gravação, parecia mais com a garota que conheci. Despia parte da personagem-profissional.

— Não estou te seguindo — respondeu, ainda com o sorriso no rosto. — Só sou bem informada. Você sabe… A imprensa sabe dos problemas do Poynter. Eu trabalho com esses boatos, fofocas, então claro que já chegou na minha mesa os boatos da reabilitação, eu só não quis relatar porque é um assunto sensível e ninguem sabe de nada certo. Mas, em algum momento, a informação vai vazar.

Acenei com a cabeça enquanto refletia. Sabia que não tinha como impedir de todo mundo saber de Dougie, não por muito tempo. Mas guiar , pelo menos ela, para aprofundar em outros assuntos já ajudaria muito. Notinhas de Dougie na reabilitação poderiam sair a qualquer momento, mas nenhuma delas seria diretamente de mim. Nenhuma delas tentaria tirar meu sangue para contar o que aconteceu.

— Ele está bem — contei. — Realmente bem. Não sei se me lembro de quando foi a última vez que o vi assim… De verdade.

O sorriso de se alargou.

— Fico feliz em saber — disse. — Eu lembro do Poynter. Eu tinha uma amiga do Brasil… Ahn… Ela era muito fã de vocês. Dele principalmente. Quando a Gabs disse que conhecia vocês e que vocês iam na festa dela… — Gabs! Esse era o nome da piolhenta, conseguia me lembrar. — Eu prometi que ia gravar um vídeo dele pra ela e eu… Eu tentei. — Eu lembrava disso também. Cheguei a achar que era uma fã. — Mas ele já… Ele já tinha problemas com isso, eu acho — Ela deu de ombros e parecia séria, triste, até. — Nunca mandei o vídeo pra ela. É… Não conheça seus ídolos, certo?

— É — concordei.

Ela passou a mão pela saia, puxando para baixo e voltou a cruzar as pernas.

Um inferno.

Aquele cruza e descruza com certeza estava afetando minha cognição.

— Mas, bem — ela sorriu. — O que você pode me oferecer em troca de proteger a integridade do seu namorado?

Ri de verdade. Todas as piadas de relacionamento com Dougie sempre me faziam rir.

As pessoas usavam aquele tipo de piada como se fosse algo ruim, para nos afetar, e a gente achou divertido.

Minha reação não pareceu surpreender e percebi que talvez ela só estivesse fazendo a piada no mesmo tom em que nós mesmos fazíamos. Para aliviar o clima pesado que ficou depois do que ela disse.

— O que você quer em troca? — Fui sincero.

— Quero que a gente aborde a briga — falou, sem nem pestanejar. — Não precisa ser hoje. Não precisa ser nem nas entrevistas iniciais. Mas ninguém nunca sequer soube que vocês brigaram, embora suposições pudessem ser feitas. Eu quero que você me fale da briga e quero que seja uma exclusiva.

Não falar da briga estaria entre meus pedidos de assuntos para evitar. Mas entre Dougie e isso, sabia muito bem do que abrir mão.

— Eu te dou a briga e você passa longe de qualquer questão sobre as drogas ou a reabilitação?

— Usarei apenas o que for de conhecimento público e previamente autorizado por você — explicou. — Não vou me meter, questionar ou gravar qualquer coisa que tenha a ver com isso.

Fechei os olhos e ponderei. Falar da briga não seria fácil, mas… Dougie estava realmente melhorando e de forma alguma deixaria a mídia cair em cima dele.

A briga talvez precisasse ser editada.

Mas esse era um problema para o futuro.

— Feito.

Capitulo 15

Closing time

23 de agosto de 2009

Quanto mais vermelho eu ficava, mais escandalosa a risada de era. Estava com a mão na braguilha e encarando a garrafa com a missão que tinha pela frente.

— Vira de costas! — briguei com ela.

Estava morrendo de vergonha e ela deixava as coisas difícieis rindo da minha cara daquele jeito.

— Vira você!

— Eu vou virar, mas você também!

Ela levantou os braços ao alto, rendida e se virou de costas. Encarei-a para ver se ela ficaria comportada e depois de três segundos, virei de costas também, já abrindo a braguilha. Soprei, ansioso pra me aliviar e encaixei meu pau na garrafa pra não escapar nenhuma gotinha pra fora.

Meu corpo todo tremeu quando a primeira jatada saiu. Senti uma pressão esquisita, o xixi começou a diminuir e… meu pau começou a doer. E inchar.

Tentei puxar ele pra fora, meu corpo ainda tentando mijar… Tudo começou a girar e, então, minha vista ficou escura antes de eu perder os sentidos.

27 de junho de 2019

Fiasco.

Completo fiasco.

Na sessão de quarta-feira, doutora Hilton achou que era uma grande ideia que nós nos encontrássemos fora da sessão para reatar laços e essas coisas. Porque agora a probabilidade de sairmos no soco era um pouco menor.

E como Dougie não podia sair ainda, a gente pediu permissão pra ir visitá-lo.

E estávamos os quatro ali, dividindo comidas que levamos, enquanto Danny tentava puxar papo com Dougie.

Ele me chutou por debaixo da mesa, pedindo socorro porque não sabia mais o que fazer.

— Vocês gostaram do… — apontei para o bolo que fez para que eu trouxesse. — Bolo da ? É fubá com calda de laranja.

Os três concordaram em murmúrios e eu não sabia o que fazer também.

Pois foi só aquilo. Trocamos mais alguns elogios às comidas uns dos outros e, quando acabou, eu senti que ficaria calvo pensando em como engrenar uma conversa, mas a Doutora Hazel entrou e pediu que a gente fosse embora para Dougie poder cuidar das coisas dele.

Respirei aliviado, mas quando olhei para o lado, Danny só faltava escorrer baba olhando pra doutora, então eu resolvi que era um bom momento devolver o chute nele. Ele me encarou ofendido, esfregando a perna onde o acertei.

Segurei o que queria falar até que a gente chegou no carro, depois de mais alguns minutos constrangedores de despedidas.

— Achei que você a Samantha estavam ficando sérios — acusei. — Mas você estava igual desenho animado atrás do cheiro da torta com a médica!

— Olhar não é crime — ele resmungou.

— É errado se você está com outra pessoa!

— Eu não tô com ninguém. Eu ter encontros não significa que eu estou morto, . O único emocionado aqui é você.

— Eu não sou emocionado não! — retruquei. — Eu só…

— Não, não é não — Danny estalou os lábios e debochou mais um pouco — Todo aquele discurso de "ainda vou me casar com ela" sobre uma garota que você saiu uma vez, mas não é emocionado.

Amaldiçoei todas as vezes que me permiti acompanhar Danny para beber depois que tirei os pontos.

— Isso não é ser emocionado, é ter certeza do que se quer e respeitar a outra pessoa!

Danny achou minha justificativa ainda mais engraçada e gargalhou alto, fazendo uma curva.

— Vá se foder, , na moral. Você parou pra se escutar?

— Não entendi como isso virou sobre mim quando a gente estava falando sobre seu comportamento inadequado com a doutora Hazel.

— Ela é bonita e eu só olhei — estalou a língua na boca. — Eu sou solteiro, posso olhar e beijar quem eu quiser.

— Não vale nada — resmunguei, vendo Danny desacelerar ao entrar na minha rua.

— Sei disso — ele respondeu. — Vai lá brincar de casinha, emocionado — eu lhe dei o dedo do meio, fazendo ele rir mais um pouco. — Te busco amanhã no horário de sempre.

— Otário — bati a porta do carro com força.

Quando cheguei na sala de estar, estava sentada no chão, digitando freneticamente no notebook apoiado na mesinha de centro. Ela apenas levantou um dedo no ar por um momento e continuou ali, enquanto eu aguardava.

Parou de escrever, respirou profundamente e virou-se em minha direção.

— E aí? Foi legal?

— Você está me entrevistando? — brinquei. — Tá gravando?

Ela sorriu de lado.

— Não, só estou querendo saber como foi o dia de um amigo — virou de frente para o computador novamente. — Não pode?

Eu estava dando a volta no sofá para me sentar e travei por alguns segundos - e com sorte, distraída passando o mouse por cima do texto que havia escrito, não percebeu.

Me joguei no sofá com o alerta aceso e tentando não entrar em pânico.

Amigo.

me chamou de amigo.

Eu estava indo muito devagar e em breve não teria chance alguma porque seríamos amigos.

Daqui a pouco eu ia ficar igual o Fletcher e isso não podia acontecer.

Eu precisava de novas ações. E rápido.

— Não quer falar? — ela perguntou, me tirando dos meus pensamentos.

— Hm? — me assustei. — Não, não. Só não tem nada pra falar. Foi um fiasco. Mas todo mundo adorou seu bolo.

Ela fechou o computador e se sentou ao meu lado no sofá, dobrando as pernas à frente do corpo, cruzadas, e puxando um elástico de seu punho para prender o cabelo em um rabo de cavalo frouxo — eu não sabia nem pra onde eu deveria olhar.

— Ah, mas eu acho que não tinha como ser muito diferente — ela deu de ombros. — É quase como se vocês tivessem se conhecendo de novo. E quatro juntos… É muito. Talvez se tentassem em duplas, sabe? Parece que tem algumas dinâmicas em pares que ainda não estão funcionando e isso atrapalha o todo.

Infelizmente ela estava certa, mas não era disso que eu queria falar. Queria resolver outro problema. Um que tirava meu sono há muito mais tempo.

— Vai fazer algo sábado à noite? — perguntei.

Ela meneou a cabeça, franziu a sobrancelha e sorriu brevemente antes de responder:

— Agora eu vou.

***

Fomos os primeiros a chegar, Danny e eu. Sorri bem grande pra ele quando nos deparamos com a sala vazia.

— Viu como eu sou uma boa influência pra você? — impliquei. — Talvez você devesse ouvir meus conselhos.

— E demorar 10 anos pra transar com a mina que eu tô afim? — ele pegou uma revista e abriu com raiva, passando as folhas sem nem ler uma linha sequer. — Eu tô muito bem, obrigado.

— Você me trata muito mal — reclamei. Danny me deu língua e levantou a revista pra tampar a cara toda, com medo da retaliação.

Resolvi deixar ele em paz e fui até a janela da sala de espera, olhando a rua e parte do estacionamento. Reconheci o carro de Tom quando ele entrou, estacionou e passou o caminho de volta a pé, acenando para o rapaz na guarita. Respirei fundo e me virei a ponto de ver Dougie entrando na sala e olhando de um lado para o outro, chocado.

— Bom dia? — ele soou meui em dúvida, olhando para Danny, que abaixou a revista ao ouvir o cumprimento e respondeu com o mesmo som de dúvida.

Ah, certo.

tinha mesmo razão sobre dinâmica de pares que estavam atrapalhando o processo todo.

Dougie andou até mim e trocamos um soquinho enquanto Danny acompanhava com o olhar. Acabou se escondendo atrás da revista de novo.

— Como estão as coisas? — perguntei.

— Ah, você sabe — ele deu de ombros. — Reuniões e terapias… Nós tivemos uma oficina de cerâmica na semana passada e eu pedi pra fazer mais peças, agora tô começando a pintar elas. Tá sendo bem legal.

Apertei seu nariz entre meu polegar e o dedo médio, brincando. Ele fez careta.

— Depois me manda uma foto, aposto que estão horrorosos.

— Estão mesmo — ele riu.

— Estava pensando em fazer algo diferente — aleguei. — Sei lá. Do que você sente falta lá? — Dougie abriu e fechou a boca algumas vezes antes que eu percebesse que tinha falado merda. — Quero dizer…

— Sexo — ele respondeu e soltou uma risada.

— Com isso eu não posso te ajudar.

— Com isso você não pode nem se ajudar, né? — Danny se intrometeu, dobrando a revista no colo.

Dougie imediatamente se encolheu. Estava relaxado com sua interação comigo, mas com Danny…

— Pelo menos eu não estou preso na friendzone — resmunguei, porque meus planos com no sábado eram pra jogar aquilo pra bem longe.

— Quem está preso na friendzone?

Que hora inapropriada para o Fletcher chegar, puta merda.

— O Danny — acusei.

Danny só revirou os olhos e se escondeu atrás da revista de novo.

— Danny está com alguém? — Dougie perguntou baixinho.

— Está gostando de uma garota, mas gosta mais da vidinha de balada dele — respondi, em alto e bom som.

Tom tinha se sentado no pufe quase de frente para Danny e acompanhava a situação com curiosidade. Danny fechou a revista com raiva e se virou pra mim:

— Sam gosta muito mais da vidinha de balada que eu, vai por mim — reclamou. — Aquela garota é um monstro.

Eu só acenei com a cabeça para Dougie, que tampou a boca pra rir baixinho. Danny torceu o nariz e virou de costas pra nós dois para continuar lendo sua revista em paz.

— Sam deve ser uma santa — eu disse ao Dougie, baixinho, que ainda ria. — Se vai pegar esse aí pra criar.

Dougie quase não conseguiu segurar a risada. A sorte foi que bem naquele momento, doutora Hilton nos convidou a entrar na sala. E pela milionésima vez, tinha mudado os móveis de lugar. Agora eram cinco poltronas em um círculo.

Danny correu para ocupar a poltrona mais perto da porta, o que parecia ser uma burrice porque Tom sentou ao seu lado e seus olhos de cachorrinho pidão se voltaram pra mim como se eu pudesse ajudar de qualquer forma, sendo que eu poderia jogar uma bomba na cabeça do Fletcher a qualquer momento.

Sorte que Dougie, por mais estranhamento que tivesse com Danny, se apiedou do coitado (ou de mim) e cruzou meu caminho para se sentar na outra ponta, ao lado de Tom, deixando a poltrona ao lado de Danny pra mim.

Doutora Hilton soltou uma leve bufadinha ao se sentar e pegou seu caderninho para anotar.

— Bom, rapazes… — ela começou. — Como vocês estão?

Silêncio. Ninguém tinha nada para falar. Eu estava levemente envergonhado porque teria que contar a história do fiasco do nosso chá da tarde e de como as coisas andavam péssimas com Tom, mesmo que no começo eu pensasse que nós dois éramos sensatos e seríamos os primeiros a se resolver.

— Danny? — Doutora Hilton chamou. — ?

Por que eu era sempre convocado?

Dei de ombros.

— Eu me sinto um pouco deslocado — Tom suspirou. — É… É difícil sentar aqui e pensar em um futuro com a minha banda quando me sinto tão excluído.

— Por que você se sente assim, Tom?

— Ontem, por exemplo — ele começou e eu já fechei os olhos, porque não queria nem lembrar. — Fizemos um chá da tarde no Dougie. Saímos juntos como a senhora pediu, mas… Sinceramente? Era melhor não termos feito.

— Por que? — Dougie se chateou. — Foi legal.

— Foi horrível! — Tom estava argumentando com mãos e gestos, agitado. — Foi silencioso e esquisito. E a gente costumava ser barulhento antes. Aquilo… Aquilo me assustou. Me assustou ao ponto de eu achar que a gente não tem mais jeito.

— E tudo bem se não tiverem, Tom — doutora Hilton acalentou. — Algumas coisas podem ter fim e acabarem bem. Pode ser uma parte gostosa do passado. Mas todos nós nos reunimos aqui porque gostaríamos de tentar novamente, por isso é importante que você não se sinta excluído. Por que se sente assim, Tom?

— Eu ontem voltei pra casa sentindo que não conheço mais nenhum deles e que talvez a gente não conseguisse mais se entender e aí, quando cheguei aqui hoje, os três já estavam e eu conseguia ouvir as risadas do corredor — ele com certeza estava exagerando, então soltei uma risada debochada e cruzei a perna, o que não passou despercebido pela doutora Hilton. — Quando eu cheguei, o assunto acabou. Então, o problema é só comigo.

Danny tinha se encolhido em sua própria bolha e estava encarando o chão. Jé eu, queria socar alguma coisa, de preferência algo que saísse sangue.

— Acho que você teve a impressão errada do que aconteceu hoje aqui… — Dougie falou, baixinho, um pouco intimidado. — Não foi… Não foi como você interpretou.

— A questão aqui é que eu me esforço pra ter meus amigos de volta, Fletcher — acusei-o.

— Mas eu me…

— Todo mundo está se esforçando, — Doutora Hilton interveio.

— Eu gostaria… — Danny começou, levantando a cabeça. — Que ontem tivesse sido diferente. Sei que… Sei que eu não posso falar nada…

— Realmente… — Dougie murmurou.

— … Mas… — Danny se embolou com a interrupção de Dougie, mas tentou continuar. — Mas eu também sinto um pouco de dificuldade de… Relaxar… Quando a gente tá junto. Parece que…

— Parece que estamos presos naqueles minutos de antes do nosso primeiro show — Tom falou. — Sem saber o que vão pensar da gente.

— Sim — Danny concordou. — É como se… Se eu estivesse vestindo roupas velhas que não cabem mais.

Minha garganta se apertou. A sensação era aquela mesmo, mas não queria admitir.

— Tem algo específico que te faz se sentir assim, Danny? — perguntou.

Ele olhou para mim por um momento, buscando apoio ou aprovação, então acenei que tudo bem. A gente tava na merda, o que mais algumas palavras poderiam causar?

— Eu estraguei as coisas — ele murmurou. — E não consigo conversar direito com Dougie.

Com Dougie?

Ele e Tom mal conseguiam se encarar e era de Dougie que ele falava?

— Acho que vai levar um tempo, mate — Dougie murmurou.

— Eu sei — ele deu de ombros. — E eu vou continuar tentando por esse tempo todo. Porque você é importante pra mim.

A postura de Dougie mudou imediatamente. Ele levantou os ombros e uma pontinha de seus lábios se encurvou para cima.

— Você também é importante pra mim — devolveu. — Só… Eu tô magoado…

— E desconfiado — Tom ajudou.

— É. Isso. Desconfiado, um pouco — ele deu de ombros. — Quero dizer… Como eu vou saber se você não vai me ignorar de novo?

Eu me curvei pra frente para encarar Dougie.

— Ele não tem me ignorado — elogiei. — Tem sido um bom menino.

Danny fez careta ao elogio.

— É que é difícil colocar as coisas assim, sabe? — Dougie levou as duas mãos a frente e tentou se explicar. — Eu conheci dois Dannys. Um que era o meu melhor amigo e um que me odiava. Eu não sei mais quem você é.

— E se for um terceiro Danny, Dougie? — Doutora Hilton sugeriu. Dougie e Danny a encararam como se ela tivesse dito que tinha o elixir da vida eterna. — As pessoas mudam a cada experiência, a cada dia. Vocês tiveram… Quatro, cinco anos sem se falar. São pessoas diferentes. Você não é o mesmo Dougie da noite que se falaram pela última vez, é?

— Definitivamente não — Dougie respondeu, endurecendo a expressão de seu rosto.

— E você, Danny?

Ele deu de ombros.

— Sei lá. Acho que não.

— E vocês dois? e Tom?

— Não — respondi, apenas. O de cinco anos atrás mal tinha esperança de nada. Agora estava agarrado na beira das coisas que mais me importavam, sonhando com um futuro melhor.

— Eu acho que… — Tom soprou. — Muita coisa mudou.

— Muita coisa mudou e muita coisa continua mudando — Doutora Hilton concordou. — Mas sabe o que não parece ter mudado? O que vocês sentem um pelo outro. Há algo em comum em vocês, que me disseram na primeira sessão. e Tom, vocês gostariam de dizer como se apresentaram pra mim naquela manhã?

Eu tinha lembranças claras de como foi constrangedor.

— Eu disse que era o Tom do McFLY — Tom contou.

Encarei Tom com sinceridade e surpresa pela primeira vez desde a nossa disse.

— Eu também disse que era o do McFLY — suspirei, ainda levemente envergonhado.

— Dougie também me disse algo interessante — doutora Hilton se virou para ele. — Um pouco mais para frente, não na apresentação — ela voltou algumas páginas em seu caderninho e começou a citar. — Parte do processo de cura é me desculpar com quem magoei no passado, mas…

— Minha motivação para estar aqui é poder dizer que sou baixista do McFLY de novo — ele completou. Seus olhos estavam marejados e ele virou o rosto para a parede para se esconder. — Porque essa era a parte que eu mais me orgulhava de mim.

— E o Danny… Quando eu lhe perguntei…

— Qual a melhor coisa que me aconteceu, doutora? — ele estava com os braços apoiados no joelho, as mãos juntas, curvado para frente. — O McFLY.

Ela acenou, orgulhosa.

— Na primeira sessão. Quando vocês se sentiam muito mais… Destacados do que agora. Pensem em como estavam lá e como estão agora. Nada mudou entre vocês?

Danny me deu dois tapinhas na perna enquanto eu acenava positivamente para doutora Hilton. Eu estava recuperando Danny e Dougie. Tom, nem tanto.

— Nós estamos na metade da jornada que concordamos em percorrer — ela sorriu. — E é normal essa frustração de não ter chegado ao destino ainda. É o medo… De não alcançar o objetivo que vocês vieram atrás, mas vocês imaginavam que estariam aqui quando começaram? Que já teriam essas… Novas dinâmicas, lá no começo?

— Não — respondi de supetão e quase corei quando todo mundo se virou pra me olhar. — Achei que Danny seria o mais difícil… Mas ele fez tudo ser tão simples que parece ridículo o tempo que gastei pensando nisso.

Danny fez um careta e riu, não escandaloso, meio envergonhado.

— Tom também — Dougie concordou. — É… Eu achei que ele nunca mais ia querer falar comigo, mas…

— Não tenho intenção nenhuma de abandonar você, baixinho — Tom murmurou.

Dougie sorriu, leve, e me vi espelhando seu sorriso.

— Se apeguem ao que vocês tem e continuem tentando — doutora Hilton sorriu. — Se é importante pra vocês como me disseram, tentem de novo. A frustração faz parte do processo, mas vocês estão indo bem. Vamos conversar mais na sexta, tudo bem?

Concordamos e, um pouco desengonçados, saímos do consultório em silêncio.

Mais tarde, naquela noite, estava com dividindo uma pizza e assistindo a um programa de competição, o qual nos rendeu uma divertida discussão em um quadro de perguntas e respostas, quando meu celular apitou algumas vezes. Empurrei o gato para o lado porque estava deitado em cima do aparelho e ele reclamou em um miado magoado, enquanto eu lhe dava língua. Arregalei os olhos ao ver o nome de Tom nas notificações e fiquei curioso, mas não quis abrir na frente dela.

— Onde nós vamos no sábado? — perguntou, depois de uma longa golada na garrafa de água que tinha resolvido beber depois de comer tanta porcaria. — Por que se for num lugar chique que nem semana passada, você precisa me avisar pra eu não ir tão básica.

Eu não lembrava de nada básico nela naquele dia. Na verdade, achava que ela quase nunca estava básica.

— Pensei em só sairmos para beber — dei de ombros, ocultando a maior parte do meu plano de ação.

soltou uma gargalhada nervosa, fechando a boca pra não acontecer um acidente com a água que bebia.

— Da última vez que fizemos isso, não acabou bem — continuava rindo.

— Talvez esteja na hora gente reescrever a história?

Ela deu ombros, sorriu e, pela primeira vez, pareceu realmente encabulada. Não era uma personagem fingindo vergonha para conseguir o que queria, era genuinamente sem jeito.

Levantei e dei um beijo em sua testa. Ela me encarou com os olhos grandes brilhando, se embebendo da minha expressão daquele jeito que me dava fisgadas no baixo ventre.

— Vou já deitar — anunciei. — Até amanhã.

Eu já estava abrindo a conversa no corredor, tamanha a curiosidade, mas me deparei com um dos textos enormes do Fletcher e não consegui me concentrar o suficiente. O gato miou entre minhas pernas quando parei na porta do quarto e o peguei no colo.

— Por que você não dorme com a sua mãe? — perguntei e recebi uma miada na cara. — Eu vou fechar a porta do quarto e você não gosta. Sua comida fica aqui fora, sua água, sua cama e seus brinquedos. Me seguir é furada, cara.

Ele esfregou a cabeça em mim e desisti de tentar deixar ele do lado de fora.

Coloquei ele no pé da cama e ele começou a amassar meu colchão. Sentei de costas para ele e abri a mensagem.

"Oi ,

Sei que não estamos conseguindo nos entender e acho que isso é em parte porque eu não estou conseguindo falar as coisas do jeito que eu deveria, mas eu sou bom escrevendo, então pensei em escrever alguma coisa pra você… Algo que talvez você entenda. Eu estou tentando de novo, quero dizer.

Estou tendo dificuldades em me reconectar com vocês, principalmente com você e Danny, e isso me deixa estressado. Quando fico estressado, entro em um lugar escuro que você sabe muito bem qual é porque já me viu lá e, inclusive, foi uma das pessoas que mais me sacudiu até que eu saísse do buraco que me enfiei.

A verdade é que estou assustado, . Quando toda aquela confusão aconteceu, me vi sozinho pela primeira vez em anos. Eu precisei apreender a conviver comigo mesmo e estou com medo de me acostumar com vocês de novo e… Ser só uma miragem. Isso faz com que eu me sabote e não consiga quebrar barreiras que precisam ser quebradas.

O que eu quis dizer pra você naquele dia não era sobre você não estar lá quando a gente precisava de você, nem sobre você não participar ou ser um baterista ruim. Quis dizer que você fazia falta. Na composição, entende? Na hora que a gente sentava pra discutir frases e ritmos ou estilos, você sentava lá, sacudindo suas baquetas e assistia. Ou só arrumava outra coisa pra fazer e eu queria que você falasse, que participasse, porque eu te admiro pra caramba como músico e sei que você tem muitas coisas interessantes pra dizer, mas sei que alguém falou pra você não participar lá no começo e acho que você só se acomodou com isso, sei lá. E eu fiquei esperando você se sentir pronto para participar, como Dougie se sentiu e se juntou em algum momento, mas o tempo foi passando e as coisas foram fugindo do controle e eu acabei ficando sozinho porque nem Danny ou Dougie estavam mais encaixando no processo.

Eu acho que é isso.

Sinto sua falta, .

Desculpa pela confusão."